O despertador toca, mas uma tremenda falta de energia impede você de sair da cama. É o cansaço, também chamado de fadiga pelos especialistas. Queixa cada vez mais frequente nos consultórios, ele deixa o corpo dolorido, torna o cotidiano mais difícil e afeta a autoconfiança. Mas a boa notícia é que o problema começa a ser mais estudado. Ciente dos prejuízos que o cansaço provoca, a medicina se esforça para esmiuçar suas razões e descobrir meios eficientes de combatê-lo. Prova disso é que hoje a fadiga deixou de ser vista como desculpa de quem, na verdade, gostaria simplesmente de passar alguns momentos a mais na cama. Ela é encarada como um sério pedido de socorro do organismo. “A fadiga é um aviso do corpo para que o indivíduo desacelere o ritmo. É também um dos sintomas do stress”, explica a psicóloga Ana Maria Rossi, de Porto Alegre, presidente da sucursal brasileira da International Stress Management Association (ISMA-BR), entidade de estudos sobre stress.

Na verdade, os especialistas estão preocupados com a legião de cansados que começa a bater nos consultórios à procura de ajuda. O que se observa é que a transformação do cansaço passageiro em exaustão é um problema cada vez mais frequente. “A fadiga é diferente daquele cansaço comum, que sentimos após um dia atribulado e desaparece depois de um repouso ou de um banho”, esclarece o clínico-geral João Figueiró, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ela ocorre quando a sensação de falta de energia física ou mental persiste, apesar do descanso. Ou quando é comum a pessoa acordar cansada. É como se a pilha tivesse acabado. Quem chega nesse grau experimenta sintomas como moleza, dor no corpo, desânimo, dificuldade de concentração, irritação e fraqueza muscular. E está sujeito a uma vertiginosa queda de desempenho na vida social e profissional.

Competição – Uma das razões que explicam um mundo sensivelmente mais cansado são as exigências de um mercado de trabalho bastante rigoroso em regras e níveis de competição. Há um tremendo desgaste físico e mental para cumprir todas as atividades. Mas os especialistas estão notando que as condições do ambiente em que vivemos também aumentam a fadiga. “Trabalhar em um lugar com ar condicionado ruim e iluminação inadequada pode gerar um cansaço incomum, que se acumula dia após dia. As pessoas precisam examinar primeiro os ambientes em que vivem, em vez de achar que estão com algum problema pessoal”, explica a psicóloga Marlise Bassani, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Outra constatação dos especialistas é a de que o cansaço está deixando de ser privilégio de quem tem agenda cheia. Afinal, até poucos anos atrás costumava-se atribuir a sensação somente àqueles que tinham de arrumar tempo até para respirar. Os estudos e a experiência têm demonstrado que não é bem assim. “A rotina monótona cansa tanto quanto o excesso de estimulação. Trabalhar com e-mail, celular e muita gente pode fatigar da mesma maneira que passar o dia em casa sem fazer nada”, analisa Marlise. Esse tipo de cansaço a que se refere a pesquisadora é a fadiga derivada do estilo de vida, gerada pela insatisfação com a rotina. “A falta de perspectiva gera desânimo e cansaço porque não apresenta desafios nem possibilidades de usar a criatividade. Algumas pessoas manifestam também dores, distúrbios do sono, depressão, ansiedade ou hostilidade”, esclarece a psicóloga Ana Rossi.

Filosofia – É o clássico cansaço de viver. Nos Estados Unidos e na Europa, pessoas nessas condições têm procurado ajuda em consultórios de aconselhamento filosófico, uma onda que começou em 1981, na Alemanha. Acredita-se que a filosofia permite resolver dilemas emocionais e devolver o pique. Para Ana Rossi, esse não é o caminho mais adequado. “Muitas pessoas têm dificuldade de aceitar que estão sem energia por causa de conflitos interiores. Preferem dizer que estão em crise existencial e se tratar com filósofos”, comenta.

Não se deve esquecer que o cansaço também pode ser um sintoma de algum problema no funcionamento do corpo. Ele é um sinal que aparece entre as consequências de inflamações, gripes, resfriados, anemia e de outras doenças até mais graves, como a depressão. Em cerca de 20% dos casos de queixas de cansaço, por exemplo, a fadiga está por trás de males que afetam as glândulas, encarregadas da produção de hormônios. Existem diversas alterações hormonais, entre elas as da tireóide. “Se ela funciona demais, o ritmo se acelera e a musculatura pode ficar extenuada. Quando trabalha menos, deflagra uma incômoda sensação de fraqueza muscular”, explica o endocrinologista Mário Pradal, professor da Faculdade de Medicina de Santos. A fadiga também faz parte do quadro de sintomas das mulheres que sofrem com a tensão pré-menstrual, quando ocorrem variações na quantidade de hormônios.

A investigação das causas do cansaço levou a outro vilão: a má alimentação. “Quem come mais do que gasta em energia cansa porque ganha quilos extras. E quando se come menos do que o necessário, o corpo fica na carência de nutrientes e pode adoecer”, explica a nutricionista Mirtes Stancanelli, de São Paulo. Por isso, equilibrar a dieta é uma forma de combater a falta de pilha na vida. Adotar um cardápio mais rico em carboidratos, por exemplo, faz parte da estratégias, da equipe médica do time do Palmeiras, clube de São Paulo, para atenuar o cansaço dos jogadores durante o duro calendário do futebol brasileiro. Nessas fases, a mesa se enche de massas, pizzas e pães. “Esse tipo de nutriente se transforma rapidamente em glicogênio, o combustível do organismo”, afirma o fisiologista Paulo Zogaib, do Palmeiras e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Comida – Quem não pratica esporte profissionalmente pode se beneficiar da sugestão, desde que não cometa exageros e mantenha outros ingredientes no prato. Vigiar a qualidade do que se come é fundamental para diminuir a fadiga (leia quadro sobre alimentação à pág. 90). Um erro comum é tomar grandes doses de estimulantes, como café, energéticos, guaraná em pó, refrigerantes do tipo cola, por exemplo, para combater o desânimo. Se funcionam na hora, derrubam o pique depois. “Em excesso, o uso desses produtos provoca distúrbios do sono por causa da cafeína, o que baixa a resistência do organismo e leva à fadiga”, garante a nutricionista Mirtes.

E, embora possa parecer estranho, não suar a camisa como se deveria também é outro fator que pode agravar ou provocar o esgotamento. Estudo da Universidade de Brasília feito com 70 trabalhadores mostrou que a prática regular de atividade física aumenta as defesas contra o cansaço. Os que se exercitaram durante três meses eliminaram os sinais de fadiga intensa e houve uma redução de 21% no número de estressados. Aqueles que não aderiram à rotina esportiva continuaram com a falta de pique. O exercício aumenta o condicionamento físico e promove a liberação de endorfina, substância que proporciona a sensação de relaxamento e bem-estar. Mas, em excesso, a malhação também cansa. O exagero no treinamento leva a um problema conhecido como fadiga crônica (não confundir com a síndrome da fadiga crônica, doença causada por vírus e cujo principal sintoma é um cansaço realmente incapacitante). O overtrainning, como é chamado pelos especialistas, causa alterações menstruais e cardíacas, nervosismo e um sono que parece não ter mais fim. Foi o que aconteceu com a jogadora Janina Dias da Conceição, 28 anos, da Seleção Brasileira de vôlei. “Depois dos jogos de um campeonato pan-americano, tive uma forte dor de estômago e fui obrigada a parar por cinco dias. Tinha ultrapassado meu limite”, lembra. Hoje, ela sabe que não pode exagerar e planeja melhor seu dia, reservando tempo também para o lazer.

Estratégia – Seja de origem mental, física ou ambiental, a fadiga que se mantém por mais de cinco dias precisa ser investigada. O caminho é procurar um médico de confiança, que irá diagnosticar as causas. Como o cansaço em geral é resultado de uma somatória de circunstâncias, é preciso combatê-lo em várias frentes. O primeiro passo é ter consciência de que quem já está com o tanque na reserva necessita mais do que uma massagem ou de uns momentos de paz. O executivo Álvaro Musa, 55 anos, de São Paulo, teve de dar uma guinada radical para se livrar da fadiga crônica. “Eu era uma bomba-relógio. Tinha 15 quilos a mais, mau humor e vitalidade zero. Depois do final de semana me sentia tão cansado como antes”, conta. Acuado pelo medo de ter um infarto, ele aceitou a sugestão do médico e foi fazer um tratamento de dez dias de revitalização na Clínica Artemísia, uma espécie de spa naturalista nos arredores de São Paulo. Melhorou à custa de muitas sessões de massagens, compressas, sonecas, terapia e aulas de aquarela e escultura em argila. “Aprendi a fazer uma coisa por vez. Agora, arranjo tempo para pintar, ter aulas de canto e escultura”, conta.

O segredo da revitalização é descansar profundamente. “A vida é regida por ritmos. O cansaço aparece quando perdemos o compasso, fazemos muitas coisas ao mesmo tempo e não damos ouvidos às nossas questões. Nesse momento enfraquecemos”, afirma o médico Ronaldo Perlatto, coordenador da Clínica Artemísia. Um conceito parecido é praticado pela Clínica de Stress e Biofeedback, de Porto Alegre. Ali, o cansaço é motivo para uma longa conversa sobre hábitos de vida, alimentação, sono e exercícios. Essa abordagem de tratamento também é oferecida na Oficina de Qualidade de Vida Urbana e Controle do Stress da PUC/SP, coordenada pela psicóloga Marlise. Em grupos de quatro, os participantes exercitam a autopercepção, a observação do ambiente e discutem propostas para modificar as condições que levam ao cansaço. As sessões surtiram efeito incrível para a auxiliar acadêmica Ana de Oliveira, 45 anos. “Estava no automático. Não prestava atenção no que fazia e sentia um cansaço que nunca tive antes. Perceber esse quadro mudou minha vida”, relata.

Vitalidade – Mas não é obrigatório depender de clínicas para driblar o cansaço. Dá para se prevenir colocando em prática uma série de cuidados com a saúde. Com disciplina. A combinação de dieta equilibrada, exercícios e equilíbrio emocional aumenta as barreiras contra a fadiga. O ganho aparece na forma de vigor e disposição física. Eduardo Henry Catenaccio, 51 anos, consultor de empresas na área de meio ambiente, por exemplo, esbanja energia. Ele tem agenda lotada, mas intercala os compromissos com horários especiais para sessões de massagem, banho de ofurô e reflexologia, tipo de massagem feita nos pés. E completa seu programa com corrida diária e acupuntura. “Eu me cuido para manter o pique e a motivação”, afirma. O mesmo tipo de atitude rege a vida da cantora lírica Celine Imbert, de São Paulo. Perto de apresentações, ela dorme oito horas, adota uma alimentação natural e tenta conservar a mente tranquila. “Durante as temporadas, o que mais me cansa é estar fora da minha rotina, da minha casa”, conta. Para manter o fôlego, Celine recorre no dia-a-dia sessões de ioga, relaxamento, comida natural e encontros agradáveis com os amigos, por exemplo. “A gente precisa dar uma ajuda ao equilíbrio e ao ânimo. Não custa aprender a se tratar bem”, conclui.

Nada melhor do que não fazer nada

Quem nunca sentiu preguiça ou moleza, que atire a primeira pedra. A sensação é diferente do cansaço. Não se trata de falta de energia, e sim de uma falta de vontade passageira. E se muita gente acha que a preguiça é um obstáculo ao trabalho, há quem se oponha, classificando-a como uma sensação gostosa. “Pode ser um jeito de prolongar uma situação confortável”, diz a psicóloga Ana Rossi. Já o intelectual socialista Paul Lafargue defendeu no livro O direito à preguiça, de 1911, que o trabalho deveria ser “prudentemente regulamentado a um máximo de três horas por dia”. O resto do tempo seria ocupado por atividades mais prazerosas. Desde a Antiguidade, há interpretações menos críticas sobre a preguiça do que tachá-la como negação do trabalho. O filósofo romano Sêneca, que nasceu no ano 4 antes de Cristo, considerava o tempo livre, também chamado de ócio, indispensável para a saúde da mente. Para ele, ficar ocioso significava usufruir de momentos de profundo descanso e reflexão.

O segredo de Caymmi

Um dos maiores símbolos do descanso e da preguiça é o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi. Ele falou a ISTOÉ por telefone sobre seu estilo de vida. Fez questão de dizer que estava sentado, para não se cansar.

"A única vez em que me senti realmente cansado foi em 1935, durante uma marcha de 18 quilômetros. Eu estava no serviço militar e acabara de adoecer de malária. Isso é que é cansaço. O resto é melancolia, apelo do corpo que se resolve com a interação com uma paisagem bonita, silêncio e coisas que recarregam a energia. As pessoas muito ativas, que fazem muitas coisas ao mesmo tempo, se cansam, adoecem, envelhecem e não se comprometem com a vida. Por isso que eu digo: gosto dos preguiçosos, da preguiça doce. Quando há bom senso, bom humor e beleza na vida, as coisas não cansam, elas satisfazem. Tenho fama de preguiçoso porque vivo no meu ritmo, no ritmo do sol, sem pressa. Mas me orgulho de uma coisa: mesmo com 60 anos de trabalho e 87 de vida nunca me cansei do trabalho, nem de ser chamado de preguiçoso."