Na segunda-feira 1º de outubro, os advogados do ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, entregaram ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, 12 páginas de argumentos jurídicos. Era a defesa prévia de Mares Guia no caso do Mensalão Mineiro – a operação de dinheiro ilegal para financiar a campanha de reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas em 1998. No documento, o ministro diz que sua participação na campanha se limitou à apresentação de algumas “sugestões” e o rascunho de idéias. Para ele, querer atribuir-lhe uma função maior do que isso seria uma “manipulação política das apurações”. O problema de Mares Guia, no entanto, é que ele fica longe de explicar tudo o que está contido no inquérito da Polícia Federal. A defesa prévia, portanto, precisa ser vista pelas lacunas e não pelas justificativas.

Ao contestar o relatório final da PF, a banca de advogados de Mares Guia, liderada por Arnaldo Malheiros Filho, abre o pedido de defesa de seu cliente utilizando-se da justificava de que “apenas” em dez das 172 páginas da investigação, o nome dele é citado. “Das 172 laudas que compõem o relatório, 162 não fazem nenhuma menção ou alusão ao nome do requerente ou de sua holding patrimonial, evidenciando que, mesmo para a polícia, não teve ele participação de relevo nos fatos apurados”, diz o texto.

Para a PF, não é o número de páginas dedicado a cada personagem de um inquérito que define a sua importância. “A polícia faz relatórios qualitativos e não quantitativos, o resultado não deve ser classificado em números de páginas, mas em conteúdo”, defende um dos delegados envolvidos no caso, que pede para não ser identificado.

Entre uma negativa e outra na defesa, Mares Guia acrescentou poucas informações ao inquérito 2280-2/140-STF, que o procurador Antonio Fernando de Souza classificou há poucos dias como sendo de “muitas boas provas”.

Mares Guia diz que participou apenas “de meras conversas a respeito [da campanha]”. Ele “opinou, orçou, estimou, avaliou”, admite. “Mas nada concretamente planejou ou executou.” Para a PF, há três documentos que demostram o contrário. O primeiro são três folhas escritas por Mares Guia, nas quais ele faz uma mini contabilidade de receitas e gastos da empreitada. O outro, um orçamento da agência de Duda Mendonça, que fez a campanha publicitária da coligação PSDB/DEM, assinada pela sócia de Duda, Zilmar Fernandes, e endereçada a Mares Guia. O último, um pedido de recursos que o deputado Nárcio Rodrigues encaminha ao ministro e a outros dois destinatários no comitê central da campanha de Azeredo. Em todos esses casos, existem muitas perguntas sem respostas.

Outro ponto das investigações que complica a situação de Mares Guia é uma triangulação feita entre ele, Eduardo Azeredo e Marcos Valério para pôr fim a uma dívida de R$ 813 mil do senador tucano com seu tesoureiro de campanha, Claudio Mourão. Ao final, quem quitou a dívida foi Marcos Valério, com o cheque de número 7683, do Banco Rural, agência Assembléia em Belo Horizonte, no valor de R$ 700 mil. Para cobrir parte desse cheque, Walfrido dos Mares Guia, a partir da sua empresa, Samos, fez um depósito de R$ 507.034, por transferência bancária, na conta de Marcos Valério.

Em sua defesa, o ministro alega ter recebido, de um assessor de Eduardo Azeredo, apenas um número de conta, mas não sabia quem era o titular dela. A julgar verdadeiro esse argumento, aconteceu o seguinte fato em Minas Gerais: Mares Guia pegou meio milhão de reais para pagar uma conta de Eduardo Azeredo e não se preocupou nem em saber a quem estava entregando quantia tão fabulosa e muito menos teve necessidade de cobrar a dívida ao amigo. Coisas assim, como sabe agora o procurador, acontecem com os políticos.

O dinheiro público e as empresas do MINISTRO
No grande novelo em que se transformou a investigação do Mensalão Mineiro, Polícia e Receita federais encontraram uma espécie de fio da meada ao puxar o cordão da Samos Participações, holding pertencente ao ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia. Em 2002, a Samos movimentou 22 vezes mais dinheiro que a receita declarada naquele ano. Em sua defesa antecipada ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, Mares Guia disse que essa multiplicação é resultado da forma como ele reinveste o dinheiro: “A Samos não tem receita oriunda de vendas, mas sim de rendimentos da aplicação de seu patrimônio. Como a maior parte desse patrimônio é constituída por dinheiro, a receita da Samos se compõe, basicamente, de juros e outros rendimentos financeiros”, justifica.

Técnicos da Receita Federal que se debruçam sobre o caso, no entanto, descobriram que uma outra fonte de receita chegou ao cofre da Samos. Trata-se da FIR Capital, uma gestora de recursos. Ela atua em duas áreas: o segmento corporativo de fusões e aquisições e o chamado capital empreendedor (venture capital), que faz investimentos de risco. A capitalização da FIR é feita por investidores variados. O Ministério de Ciência e Tecnologia, através das Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e o Banco do Brasil Investimento estão entre eles. Os fundos de pensão dos funcionários da Caixa (Previ) e da Petrobras (Petros), e mais o Sebrae e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) completam o quadro dos grandes financiadores, responsáveis por cerca da metade do dinheiro da FIR. A outra parte é oriunda de várias fontes privadas.

Entre os fundos de capital empreendedor da FIR está o Fundo Mútuo de Investimentos em Empresas Emergentes de Base Tecnológica (Fundotec). Ele é um “condomínio fechado” gerido por Guilherme Emerich, ex-cunhado e sócio de Mares Guia em outras empreitadas. O Fundotec busca no mercado de pesquisas bons projetos de pequenas e médias empresas nas áreas de Biotecnologia e Tecnologia da Informação (TI) e investe neles o capital apurado pela FIR. Ele foi criado em 2001, com prazo improrrogável de funcionamento por dez anos. Em 2005, ele passou a ser chamado de Fundotec I porque foi criado mais um novo fundo, o Fundotec II, que também é administrado pelo excunhado de Mares Guia.

As cifras dos projetos dos dois Fundotec financiados pela FIR Capital não são divulgadas. Mas os técnicos da Receita apuraram que, em capital empreendedor, a FIR possui cerca de US$ 50 milhões sob administração e diversas empresas na carteira. Entre as 12 empresas com projetos aprovados pelo Fundotec I está a Samos. O Fundotec II ainda não completou sua cota de empresas – tem a expectativa de trabalhar com 15, mas entre elas já está a Biomm, que tem o ministro entre seus sócios. Apenas coincidência: a FIR, o Fundotec, a Biomm e outras empresas da família Mares Guia têm suas sedes no mesmo prédio, em Belo Horizonte.

No emaranhado de empresas ligadas quase que umbilicalmente umas às outras, os técnicos da Receita acham que existe algo estranho nos negócios de Emerich e Mares Guia. “É uma rede que faz circular ações, recibos e notas fiscais entre si como um novelo”, conta um dos técnicos que investigam o caso. Essa engenharia empresarial acendeu uma luz vermelha no Ministério Público Federal. Principalmente, depois que o Fundotec captou, no final de julho, R$ 80 milhões em recursos de grandes investidores, entre eles os fundos de pensões Petros e Previ.

Teoricamente, não há nada de errado no fato de Mares Guia ter encontrado um filão lucrativo. O problema é que ele é ministro de Estado e boa parte da fonte desse filão, que deságua em empresas das quais ele é sócio, provém de dinheiro público. O ministro não fala e seu sócio tampouco respondeu à ISTOÉ. As empresas estatais dizem que existem cláusulas de sigilo nesse tipo de investimento. Já os promotores e os técnicos da Receita continuam a investigar os repasses públicos. O que os peritos querem saber, além de explicações para a imensa capacidade de movimentação financeira da Samos, é até onde o poder da caneta de Mares Guia pôde gerar benefícios a seus negócios e aos de seu ex-cunhado.