22/08/2001 - 10:00
Um gol de placa das entidades e associações de defesa do consumidor. Depois de toda a polêmica em torno da medida provisória proposta para alterar as regras dos planos de saúde assinados até 31 de dezembro de 98, o governo decidiu transformar o texto em um projeto de lei que tramitará pelo Congresso Nacional, dando maior tempo para esclarecer e debater seus inúmeros pontos polêmicos e acalmar os consumidores.
Com o recuo do governo, a frase do ministro José Serra, da Saúde, ao repórter que perguntou sobre a possibilidade de as mudanças nos contratos de planos de saúde beneficiarem as empresas (“Não acredito que estou ouvindo uma bobagem tão grande.”), provou-se mais uma vez infeliz. A “bobagem” está na cabeça de 29 milhões de brasileiros que, em razão do precário estado da saúde pública, são obrigados a pagar um plano privado e morrem de medo que esse plano tenha brechas que possam prejudicá-los na hora de sua utilização.
As entidades de defesa do consumidor respondem à pergunta que irritou o ministro com uma enxurrada de críticas. “As novas regras são arbitrárias e lesivas aos consumidores”, diz a nota assinada pelo Procon-SP, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira, Fórum de Entidades Nacionais de Defesa dos Portadores de Patologias e Deficiências e Fórum Nacional de Acompanhamento da Regulamentação dos Planos de Saúde. Entre as medidas consideradas abusivas, estaria a criação de um médico “triador”, que deveria ser consultado antes da escolha de qualquer especialista.
Preços – As mudanças, segundo manifestaram essas entidades, atendem apenas aos interesses dos operadores e legalizam exclusões. Na avaliação do Procon-SP, o texto da medida provisória abre espaço para que os consumidores sejam prejudicados em relação ao valor das mensalidades. A legislação atual estabelece sete faixas etárias, sendo o reajuste das mensalidades variável de acordo com cada uma delas. As novas regras estabelecem que o número de faixas ficará a critério da empresa, desde que a diferença de preços entre a primeira e a última seja inferior a seis vezes.
As seguradoras não se manifestam sobre as mudanças. O que é um mau sinal para o usuário. As empresas desse setor têm a saúde como um negócio e, como todo negócio, esse também tem que proporcionar lucro. Se o projeto fosse contrário a seus interesses, a gritaria seria geral e o encaminhamento da medida provisória certamente seria outro.
Ninguém desafia impunemente um plano de saúde poderoso. Nem um hospital do porte do Sírio Libanês, de São Paulo, um dos melhores do País. Desde fevereiro, o hospital vive um impasse, civilizado, mas perigoso, com a Sul América Aetna, portadora de uma carteira com 2,2 milhões de clientes no País, sendo 700 mil só em São Paulo. As relações entre as duas empresas estão rompidas, o que significa que os clientes dos planos mais caros da Sul América não podem se tratar no Sírio. Pelo menos enquanto a queda-de-braço continuar.
Há duas versões para o rompimento – a do hospital e a da seguradora. O hospital, que oficialmente tinha 20% de seu movimento vinculado ao plano de saúde (participação que, de acordo com funcionários, sobe para 40%, 50%, até 70%), resume os pivôs do impasse na redução de preços, de prazos de pagamentos e atendimento aos planos. O médico Roberto Rovigatti, diretor comercial do hospital, diz que os representantes do plano de saúde foram intransigentes nessas reivindicações. O outro lado diz outra coisa: o que provocou o rompimento foi a relutância do hospital em permitir que a seguradora fizesse uma conferência de preços dos materiais. “Preços e prazos não foram discutidos, diz Pedro Fazio, diretor da área de prestadores da Sul América.
Impasse – Depois de várias reuniões e nenhum entendimento, manteve-se a ruptura que, se não interessa a nenhuma das duas partes, interessa menos ainda aos clientes do plano de saúde, que pagam caro para escolher o hospital de sua preferência. Aos pacientes que utilizavam os dois serviços, a opção do momento é, segundo Fazio, “usar outros hospitais do mesmo nível”. Ele cita três: Einstein, Samaritano e São Luiz. O plano continua valendo no Sírio para 50 pacientes da oncologia que estavam em tratamento antes do quiproquó.
A corda arrebentou onde sempre arrebenta: no lado mais fraco. É por isso que as entidades de defesa do consumidor se alvoroçaram em críticas diante da medida provisória do governo.