Havia poucos taxistas no pequeno aeroporto de Díli, capital do Timor Leste, na tarde de domingo 21. Eram 17h30 quando a reportagem de ISTOÉ desembarcou. Um desses taxistas, Francisco Pinto, 36 anos, conta que teve seu veículo tomado pelas milícias paramilitares indonésias em 1999, durante o violento massacre que se seguiu ao plebiscito em que a maioria esmagadora dos timorenses optou pela independência da Indonésia. Hoje, Chico trabalha com um carro alugado, sem placa nem taxímetro. “Você sabe onde fica a casa do Xanana Gusmão? Pode nos levar?” Chico sorri. Vamos pela “Estrada Segredo Internacional”, ruela inteiramente cortada por uma canaleta de esgoto a céu aberto no bairro do Bemore Central. No fundo da rua, em tudo semelhante às favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo, fica a casa do legendário líder da resistência do Timor Leste, que só se distingue das demais pelo grupo de soldados brasileiros que a vigiam. Ele não estava; participava de uma trivial partida de futebol num terreno baldio nas proximidades. Xanana diverte-se de bermuda e chinelão apitando um jogo entre meninos e meninas. O sol começava a se pôr e a impertinência da reportagem em fotografá-lo acabou com a brincadeira. O ex-líder guerrilheiro deixa o campo de várzea sem se irritar. Mas não aceita conversa: “Hoje é domingo e eu sou um cidadão normal. Só trabalho a partir de segunda-feira.” Aceita um encontro para o dia seguinte, na sede do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT). Foram 30 minutos antes da visita oficial do presidente Fernando Henrique ao Timor Leste, nos quais Xanana afirma que não será candidato a presidente do país nas eleições marcadas para agosto. Falou também de sua simpatia pelo Brasil e que a língua portuguesa será o idioma oficial da nova nação, junto com o tetum.

ISTOÉ – Qual sua visão política e ideológica? O sr. continua marxista?
Xanana Gusmão – Sempre fui nacionalista. De fato, pedi ao povo pelo marxismo, como membro do Comitê Central da Frente de Libertação do Timor Leste (Fretilin) e continuei assim até 1984. Foi quando notei que o que nós queríamos era salvar a pátria, e não fazer revoluções. Então, jogamos o marxismo no lixo e conseguimos incluir todas as forças políticas na luta pela libertação do Timor Leste. Hoje, defendo a democracia e os direitos humanos.

ISTOÉ – E qual o novo Timor Leste que o sr. imagina para o futuro?
Xanana – No plano político, um país democrático, com sistema pluripartidário e que garanta poder ao povo, liberdade, direitos humanos e justiça para todos. No campo econômico, prevejo cinco anos de muitas dificuldades. Depois desse período, acredito que já seremos um país em condições de melhorar a situação de nosso povo. No campo cultural, queremos nos afirmar com uma singularidade: a de representarmos a grande heterogeneidade dos povos asiáticos, ao mesmo tempo que somos uma parte da comunidade internacional de língua portuguesa. O idioma que agora falamos aqui, eu e você neste instante, é a sexta língua mais falada do mundo, o que não é pouca coisa.

ISTOÉ – Qual o futuro do relacionamento do Timor Leste com o Brasil?
Xanana – Penso que aqui vamos poder desempenhar o papel de ponte. Sabemos que há economias mais desenvolvidas na Ásia, como o Japão, a Coréia e a própria Indonésia. Mas somos um país ainda virgem e há várias áreas em que um investimento maior dos brasileiros será decisivo. Tanto para nós, que poderemos afirmar melhor a nossa singularidade, quanto para vocês, com uma maior afirmação do Brasil no Sudeste Asiático. Afinal, dizem que em tempos de economia globalizada a Ásia tende a se tornar um forte centro econômico.

ISTOÉ – No Brasil, as esquerdas e a oposição em geral criticaram muito o governo por ter sido demasiado lenta a ajuda ao povo do Timor Leste.
Xanana – Nós também já criticamos muito a comunidade internacional quando estávamos no olho do furacão. Mas quando se pensa mais friamente, temos que aceitar que as coisas não tenham ocorrido na velocidade que queríamos. De fato, eu defendo que a ajuda do Brasil à formação do Timor Leste venha a tornar-se uma contribuição muito maior. É claro que, neste contexto, a vinda do presidente Fernando Henrique Cardoso se tornou de excepcional importância. Ele veio para afirmar que o povo e o governo brasileiro estão conosco.

ISTOÉ – O sr. defende que a língua portuguesa se torne o idioma oficial do Timor Leste. Mas apenas uma pequena parcela da população fala o português. Acredita mesmo que o nosso idioma terá aqui um caráter nacional?
Xanana – É um processo lento. De fato, devido à invasão do Timor Leste pela Indonésia, hoje quase só as pessoas mais velhas falam o português. Mas nós apostamos no futuro. A introdução da língua portuguesa nas escolas será fundamental. Sabemos da experiência que o Brasil tem nos meios audiovisuais. É claro que ainda não temos infra-estrutura para aproveitar toda a potencialidade desse sistema. Mas acreditamos que um envolvimento brasileiro nesses programas de educação seja capaz de nos ajudar a superar os problemas e enraizar a língua portuguesa em nosso território.

ISTOÉ – O sr. é tido pela comunidade internacional como o futuro presidente do Timor Leste.
Xanana – Quero informar à comunidade internacional e aos timorenses que não me sinto apto para isso. O povo tem que acreditar no sistema, na democracia, e não nas pessoas. Não estou absolutamente interessado em ir para a Presidência. Isto é definitivo, uma decisão irreversível.