DAVID GRAY (CHINA) REUTERS

DEVASTAÇÃO Enquanto sobreviventes se abrigam em tubulações de concreto, soldados continuam busca em escombros de Dujiangyan

A mudança de estratégia não poderia ser mais evidente. Em junho de 1976, quando um terremoto de 7,8 graus na escala Richter fez cerca de 424 mil vítimas fatais em Tangshan, o governo da China se fechou por completo. Além de recusar ajuda externa, mandou soldados despreparados para a região da catástrofe, a 121 quilômetros da capital, Pequim. Como se não bastasse, proibiu a entrada de estrangeiros na cidade por sete anos. Há dois meses, quando eclodiram conflitos com os monges no Tibete, a reação oficial chinesa foi similar à de 1976. Fechou as fronteiras e se recusou a discutir as reivindicações separatistas com a comunidade internacional. Na semana passada, a eclosão de um terremoto de 7,9 graus na escala Richter a apenas três meses da Olimpíada de Pequim fez o governo adotar uma estratégia diferente. Embora o epicentro estivesse a 1.500 quilômetros da capital, o primeiro-ministro, Wen Jinbao, se deslocou para a região do desastre no mesmo dia do tremor, a segunda-feira 12. Poucas horas depois de sua aterrissagem, imagens do dirigente político entre escombros, supervisionando os trabalhos de socorro e resgate, passaram a ser exibidas em todo o planeta. Na seqüência, chegou o presidente Hu Jintao. “A tarefa é árdua e o tempo urge”, disse Jintao, segundo a agência oficial de notícias Xinhua.

A opção pela transparência faz parte de uma série de medidas para garantir o sucesso da Olimpíada de Pequim, que começa em 8 de agosto e deve levar 500 mil turistas ao país. Logo após o desastre, que pode ter provocado a morte de mais de 50 mil pessoas, o comitê organizador dos Jogos Olímpicos tratou de lembrar que a ocorrência de terremotos foi levada em conta durante a construção dos 31 edifícios projetados para o evento. “Quero dizer aos visitantes estrangeiros que a Olímpiada é segura, que Pequim é segura, que a China é segura”, anunciou Zhang Jian, diretor do departamento de gerenciamento de projetos do comitê.

Segurança, no entanto, não faz mais parte do cotidiano da cidade de Dujiangyan, na província chinesa de Sichuan, antes famosa pelo talento tecnológico de seus antepassados. Em 256 a.C., a partir de uma ilha artificial, eles construíram um sistema de irrigação que propiciava um fluxo constante de água para irrigar suas culturas. A engenhosidade dos antigos, que ainda atendia a 50 cidades, sucumbiu na semana passada ao terremoto, o mais forte a atingir a China nas últimas três décadas. Em poucas horas, Dujiangyan passou a ser conhecida por suas cenas trágicas. A 50 quilômetros do epicentro de 7,9 graus na escala Richter, a cidade ficou coberta por escombros. Entre os soterrados, estavam cerca de 900 alunos de uma escola secundária. O rastro de destruição provocado pelo tremor se espalhou por sete províncias, mas, à medida que se aproximava do epicentro, o cenário se tornava ainda mais devastador, como relatou Wang Yi, chefe de uma unidade policial enviada à região. “Em algumas cidades, não ficou nenhuma casa em pé”, disse Wang Yi à Xinhua.

As primeiras equipes de socorro só conseguiram alcançar o epicentro – Wenchuan – 24 horas depois do tremor. Como todos os caminhos estavam destruídos, tiveram de chegar caminhando. Nas proximidades, a pequena cidade de Yingxiu foi praticamente riscada do mapa. De seus dez mil habitantes, só 2.300 sobreviveram ao abalo, sendo que metade deles se encontra em estado grave. Apesar dos esforços do governo, que mandou 130 mil soldados para reforçar as equipes de resgate, quatro dias depois do desastre não se conhecia o número exato de vítimas. Pedidos de socorro ainda eram feitos debaixo dos escombros e tremores seqüenciais continuavam a abalar a região. Na sexta-feira 16, oito pessoas, entre elas quatro crianças, foram resgatadas com vida debaixo de antigas construções de Beichuan.A província de Sichuan, a mais atingida pelo terremoto, se transformou em um imenso campo de refugiados. Com isso, a passagem da tocha olímpica, que causou distúrbios no Ocidente, acaba de ganhar na China caráter reverencial, ocorrendo paralelamente à oferta de doações para os desabrigados . Um movimento de ajuda aos sobreviventes também chegou ao Brasil, onde vivem 200 mil chineses, 150 mil deles em São Paulo.

ARTE: FERNANDO BRUM/RICA