Ilustração: Aroeira

Os subterrâneos da economia brasileira andam agitados. Desde que surgiram os rumores de que a Receita Federal conquistaria o direito de acessar a conta bancária de qualquer cidadão, em novembro passado, os doleiros não têm tido férias. O câmbio paralelo saiu de R$ 2 por dólar para R$ 2,15. E tem se mantido nesse patamar desde o início de janeiro, quando a quebra de sigilo foi regulamentada. O custo das operações de envio de dinheiro por baixo do pano também subiu. Dado o maior risco de cair na malha da Receita, agora mais fina do que nunca, os intermediários elevaram sua comissão de 13% para 20% sobre o valor da remessa.

Mecanismos – “Nunca tivemos um instrumento tão poderoso a serviço da moralidade”, diz o secretário da Receita, Everardo Maciel. Não vai ser moleza escapar das garras do Leão, ao menos para a arraia-miúda. A Receita Federal fez uma lista abrangente de operações sujeitas à quebra de sigilo. Estarão sob suspeita, por exemplo, as negociações de bens fora do preço de mercado. Se o comprador de um imóvel registrá-lo por valor abaixo do real, o Fisco terá condições de checar se o dinheiro que saiu da conta corresponde ao declarado. Pelo imposto sobre transações financeiras, a CPMF, a Receita vai pegar quem movimenta na conta bancária um volume de recursos incompatível com sua renda.
Os sonegadores de maior calibre, entretanto, já procuram mecanismos para driblar a tropa de fiscais de Everardo Maciel. Pretendem realizar pagamentos em dinheiro vivo ou mesmo partir para a troca direta de mercadorias e contratos. Haja criatividade!
Outra saída é maquiar a sonegação de forma que o cruzamento de dados da conta corrente com a declaração do Imposto de Renda não acuse inconsistência. Para usar o exemplo do imóvel: o vendedor coloca a casa no nome de sua empresa e o comprador adquire ações da companhia no valor acertado, em vez de fazer um contrato de negociação imobiliária. Quem vai saber quais os reais motivos da entrada do novo sócio? “Esse tipo de negócio indireto continuará existindo, mesmo com cláusulas de combate à elisão fiscal”, diz Osíris Lopes Filho, ex-secretário da Receita Federal.

Planejamento tributário – Lopes Filho refere-se a uma outra lei, aprovada junto com a da quebra do sigilo no último 10 de janeiro. Trata-se da lei complementar nº 104, que procura atacar o chamado planejamento tributário, ganha-pão de uma infinidade de consultorias. Ela prevê a anulação de negócios legalmente aceitáveis, mas que têm como única finalidade a redução ou eliminação de tributos. Um dos exemplos mais significativos está na montagem de operações complexas para que a troca de controle de empresas se dê sem que haja pagamento do Imposto de Renda sobre a valorização do capital do vendedor.

Pegue-se o exemplo do ex-banqueiro Aloysio de Andrade Faria, figurinha carimbada na lista dos homens mais ricos do mundo da revista americana Forbes. Em 1998, Faria vendeu o Banco Real ao ABN Amro por US$ 2,1 bilhões. Foi feita uma permuta de ações entre os dois lados: Faria entregou ao banco holandês empresas controladoras do Real e o ABN Amro deu-lhe em troca cotas de uma companhia criada especialmente para a ocasião, cujo único ativo é cash. Faria só vai ser obrigado a pagar Imposto de Renda sobre a diferença entre o valor patrimonial transferido ao ABN Amro e o valor recebido pela venda do banco quando alienar a empresa. Ganhou uma fábula, mas, devido à forma como a transação foi estruturada, ficou com a possibilidade de não pagar um tostão sequer ao Fisco.

A Receita terá dificuldades para pegar esse tipo de operação, avalia Wilson de Faria, sócio-coordenador da consultoria Trevisan Tributos. “Vai ter que provar que o contribuinte está dissimulando a operação só para fins fiscais”, diz Faria. Na sua opinião, isso acabará em longas disputas judiciais. Principalmente em casos menos óbvios, como uma empresa que se divide em várias outras de forma a obter um lucro anual inferior a R$ 240 mil e a pagar apenas 15% de Imposto de Renda (sem os 10% adicionais cobrados quando o resultado supera esse valor). Os advogados terão mil e um argumentos, como o de que a reorganização visou não unicamente à economia no pagamento de tributos, mas também à maior eficiência.

Recuo – De qualquer forma, os escritórios especializados em fazer o tal planejamento tributário estão às moscas neste início de ano. Os clientes querem ver no que vão dar as ações que chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei sobre quebra de sigilo. Uma foi movida pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a outra, pelo Partido Social Liberal (PSL). O STF está em recesso até o dia 2 de fevereiro, mas seu presidente, ministro Carlos Velloso, poderá decidir sozinho se dá as liminares para as entidades. O histórico do tribunal não pesa muito favoravelmente a Maciel. As decisões têm sido desfavoráveis ao governo em casos de quebra de sigilo bancário. Mas o secretário da Receita insiste em que a vitória é possível. “O STF sempre examina se a motivação da quebra é adequada e, no caso da lei, os motivos estão claramente fundamentados”, diz.