31/01/2001 - 10:00
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Matéria visível 0,5% da massa. Tudo que emite luz e os telescópios ópticos podem observar, como estrelas, galáxias, quasares e nebulosas brilhantes |
A discussão sobre a origem do Universo é antiga como a civilização. De um lado, o conceito de um cosmos reproduzindo eternamente a si mesmo, que empolgou as filosofias chinesa, indiana e pensadores ocidentais como Aristóteles e Nietzsche; de outro, a idéia de um determinado momento em que o mundo começou a existir e que, associada à crença em um Deus criador, está no centro do pensamento religioso judaico, cristão e muçulmano. Em 1965, a ciência pareceu encerrar a polêmica sobre a origem do Universo. A descoberta de uma radiação vinda de todas as direções ao mesmo tempo provou que ele surgiu há bilhões de anos de uma imensa explosão de energia, o Big Bang. No ano passado, porém, medições mais exatas mostraram inconsistências nesse modelo.
Dada a velocidade atual de expansão do Universo, calcula-se que o Big Bang teria ocorrido entre dez e 12 bilhões de anos atrás. E as galáxias teriam levado cinco a seis bilhões de anos para se formar. Mas em 2000 descobriram-se galáxias cujo brilho nos alcança mais de dez bilhões de anos de viagem depois – elas se formaram muito antes do que se considerava possível. Sinal de que havia algo errado na explicação sobre a origem do cosmos, que precisa ter surgido pelo menos três bilhões de anos antes do que a antiga teoria exigia, há 15 bilhões de anos ou mais .
Uma medição exata da densidade universal e a varredura dos céus mostraram que os corpos brilhantes vistos com telescópios representam 0,5% de tudo o que há no espaço. Os corpos escuros conhecidos da astronomia – estrelas apagadas, buracos negros e nebulosas frias – representam, no máximo, 3,5%. Significa que 96% do cosmos é completamente ignorado pelo homem .
O avanço do mapeamento das galáxias confirmou que sua distribuição é quase regular, o que também não combina com a tese de uma explosão caótica. Nenhuma força teria tido tempo de homogeneizar a massa cósmica no momento da origem. O Universo deveria ser hoje uma gororoba empedrada por buracos negros colossais, e não o creme relativamente aveludado que apreciamos.
Tanto o retrato quanto a biografia do cosmos têm de ser revisados. O quadro alternativo mais elaborado até o momento é a teoria da inflação, proposta pelo físico americano Alan Guth em 1979. Em vez da explosão da massa preexistente, a inflação de Guth supõe o crescimento exponencial do cosmos a partir de uma semente insignificante cuja massa se multiplicou por um fator imenso, num tempo minúsculo, de forma tão ordenada quanto a formação de um cristal. A expansão explosiva do Big Bang teria começado depois de esse processo terminar, partindo de um cosmos já vasto e regular.
A teoria da inflação é compatível com as estranhas leis da mecânica quântica e da física das partículas. Discute-se agora a composição do Universo. A nova receita pressupõe a existência de uma energia negativa que responde por 70% da massa, gera força de repulsão contrária à gravidade, acelera a expansão do Universo e seria a resposta para a discrepância cronológica apontada pelos cientistas. A energia negativa, ou “escura”, resultaria de uma nova constante universal ou então de uma nova força física chamada quintessência, que se somaria às quatro forças já conhecidas: gravidade, eletromagnetismo e dois tipos de força nuclear.
Outros 26% do bolo universal são desconhecidas partículas exóticas, invisíveis, mas necessárias para manter estrelas e galáxias em seu curso. Para saber mais sobre a matéria exótica, físicos americanos e europeus travam uma corrida contra o tempo. Buscam respostas com a ajuda de aceleradores de partículas poderosos que reproduzem as condições dos primeiros momentos do Big Bang. Esperam com isso achar as peças que compõem o grande quebra-cabeça cósmico.
Milagre – Sabe-se que o Universo é muito mais vasto do que os instrumentos podem alcançar. Para o físico russo Andrei Linde, ele não seria único, mas parte de um multiverso onde novos universos, com novas leis físicas, surgem a partir dos existentes. O Big Bang seria apenas uma entre inúmeras borbulhas fervilhando num caldeirão infinito. Isso ressuscita, em escala gigantesca, o conceito do cosmos eterno. Uma reviravolta tão espetacular quanto a descoberta de que nosso mundo é apenas um planeta numa vasta galáxia.
Isso sugere uma nova resposta a outra questão intrigante: como as leis da física foram sintonizadas de forma tão perfeita para viabilizar a existência de estrelas, planetas e seres vivos? A resposta clássica era: acaso fantástico ou milagre divino. Agora há uma terceira alternativa: se cada universo tem leis físicas diferentes, talvez existamos num dos raríssimos cujas leis possibilitam o surgimento da vida inteligente. Assim como vivemos num dos poucos planetas que podem não só nos abrigar como permitir que dediquemos tempo à eterna polêmica sobre nossas origens.