Depois de passar o cargo de presidente dos Estados Unidos a seu sucessor, George W. Bush, Bill Clinton disse: “Saí da Casa Branca, mas continuo aqui.” Abaixo da linha do Equador, mais precisamente no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, o governador licenciado Mário Covas reza na mesma cartilha de Clinton. Afastado do governo para intensificar seu tratamento de saúde, o tucano continua, de fato, fazendo o que gosta: inaugurando obras, brigando com manifestantes e influenciando nos rumos da política local e nacional. Na quinta-feira 25, enfrentou 100 pessoas que protestavam contra o preço do pedágio na inauguração de um trecho da rodovia Castelo Branco, em Alphaville. “Não estou escondido não. Até discuto mais do que devo. Na minha avaliação, Alphaville não é uma região pobre, de quem não possa pagar o pedágio”, retrucou. O repouso tão recomendado pelos médicos parece desnecessário à saúde do guerreiro Covas, que tem reagido bem à quimioterapia. Foi constatada na quinta-feira 25 a redução da quantidade de células cancerosas na meninge. “Enquanto tiver força para fazer, a gente vai fazendo” atestou o tucano na terça-feira 23, durante visita a favela urbanizada por sua administração, em São Vicente.

Covas dobrou-se aos pedidos dos médicos e da família depois de uma noite de insônia na segunda-feira 22, quando deixou o Incor. Aceitou afastar-se do cargo. Na mesma tarde, no entanto, depois de uma sessão de quimioterapia, ele estava pronto para continuar (leia à pág. 62 entrevista com David Uip, o polêmico médico de Covas). Reuniu-se com o secretariado para comunicar a licença e deixou claro que manteria alguns compromissos, criando uma agenda extra-oficial. E mais: que continuaria a dar as cartas no jogo político tucano. Na quarta-feira 24, discutiu seu apoio e o do governador em exercício, Geraldo Alckmin, ao deputado Aécio Neves (PSDB-MG) para a presidência da Câmara dos Deputados. Covas se mantém na linha de que é preciso puxar o leme de seu partido mais para a social-democracia. Os tucanos reconhecem que ele continuará influenciando na sucessão, mesmo afastado do cargo. “O modo como ele vem enfrentando a doença só o engrandece e o transcende em mito”, afirma o ministro da Educação, Paulo Renato.

Max G Pinto
Alckmin se fortalece junto ao PSDB

O quadro sucessório ideal para os tucanos paulistas é o que coloca o herdeiro de Covas, Geraldo Alckmin, como forte candidato ao governo do Estado. Está com as finanças saneadas e tem muito dinheiro para investir em projetos de impacto até 2002. Os ministros José Serra (Saúde) e Paulo Renato entrarão na disputa pela sucessão de FHC, com direito a uma vaga no Senado como prêmio de consolação. “Não se pode mais falar em sucessão e eleições envolvendo São Paulo sem colocar o Geraldo no mesmo plano dos demais”, admite um líder tucano. Na eventualidade de a justiça eleitoral decidir que Alckmin não poderá ser candidato, ele teria uma vaga para disputar o Senado, fazendo chapa com Serra ou Paulo Renato. A situação só embaralha se o governador do Ceará, Tasso Jereissati, conseguir vencer as prévias do partido e emplacar a sua candidatura ao Planalto, conforme defende Mário Covas.

Troco – O apoio de Covas a Tasso fortaleceu o cearense junto às bases. Para emplacar um dos ministros, o PSDB terá de ter muita habilidade para mostrar que não está desdenhando da indicação de Covas. Habilidade essa que faltou a José Serra. O apoio explícito de Covas a Tasso foi uma forma que o governador afastado encontrou para mostrar a Serra que não estava gostando de ser atropelado em seu Estado. Covas ficou irritadíssimo com as costuras políticas do ministro junto ao PMDB paulista sem passar por ele.

Enquanto o impasse permanece, o tucanato paulista prefere não discutir sucessão declaradamente. Nos bastidores, porém, o secretário estadual de Ciência e Tecnologia, José Aníbal, disputa com Alckmin. Aníbal assegura que não pensa nisso. Prefere apostar no herdeiro de Covas. Outro nome que promete acirrar a briga é o da deputada federal Zulaiê Cobra. “Alckmin é um bom nome, mas o partido precisa de outras alternativas. O PSDB tem que ter um nome feminino em São Paulo”, disse referindo-se à projeção da prefeita Marta Suplicy, do PT. De certo mesmo, só um fato: o dinamismo mostrado por Covas nesta fase mais aguda de sua doença é indicativo de uma decisão dele de acelerar as discussões políticas, de deixar sua marca e mostrar que não é carta fora do baralho. “É como se ele decidisse queimar etapas, aproveitar ao máximo cada dia de sucesso em sua luta contra a doença”, afirmam tucanos próximos a Covas.