Trata-se apenas de uma suspeita, alicerçada somente nas fundações das probabilidades: o Brasil tem muito a ver com as origens do Empire State Building. O prédio, que por décadas reinou como símbolo da competência tecnológica americana e ainda é apontado como a oitava maravilha do mundo, está completando 70 anos. Quem se der ao trabalho de colocar lente de aumento sobre sua história achará uma figura quase perdida no século XVII. Aquela área da ilha de Manhattan delimitada pelas ruas 33, 34 e pela 5ª Avenida – mais um bom bocado das terras vizinhas – pertencia a um tal Francisco Bastian. Um negro, que em 1638 era dono de terras num porto importante do Novo Mundo? É verdade que o lugar era um mangue, encharcado pelas águas do Sunfish Creek, um riozinho bom para se pescar enguias de água doce. Para Francisco ser esse pequeno latifundiário bastaria que tivesse conhecidos poderosos, holandeses ricos, banqueiros judeus, que vieram fugidos de Pernambuco, para estabelecer sua colônia mercante no Hemisfério Norte. Francisco Bastião – Bastian é a grafia possível em outras gramáticas que não usam o til – veio junto com a tropa e desconfia-se que ele era mesmo recifense. Mas certamente não é por isso que o Empire State é iluminado de verde e amarelo entre os dias 7 e 9 de setembro, uma homenagem de Nova York à Independência do Brasil.

Bombardeiro – Esta história ajuda a explicar a alvenaria do Empire State Building, onde mitos e atos fantásticos se assentam como tijolos para dar formas concretas ao edifício mais famoso do mundo. Não é à toa que durante um tempo o porão do prédio abrigou o museu “Ripley’s, Acredite se Quiser”. Estes são os fatos absolutamente provados: sua altura é de 443,2 metros, o suficiente para fazê-lo reinar por mais de 45 anos como o maior do mundo. São 102 andares, mais uma agulha gigante que serve de antena de transmissão de sinais de rádio e tevê. Ocupa uma área total de 7.240 metros quadrados, num volume interior de 12,33 milhões de metros cúbicos. Caso fosse colocado numa balança, o ponteiro marcaria o peso de 365 mil toneladas. Afinal, somente os tijolos perfazem dez milhões. Foi finalizado num prazo recorde, 16 meses. As escavações começaram no dia 22 de janeiro de 1930, a construção em 17 de março, a pedra fundamental foi lançada em 17 de setembro e os trabalhos de acabamento ficaram prontos em 13 de novembro. A inauguração oficial se daria no dia 1º de maio de 1931.

As curiosidades de almanaque no ESB, como o prédio é chamado nos meios imobiliários da cidade, são muito conhecidas e impressionantes. Mas é nos eventos ocorridos neste endereço que moram o fantástico, o absurdo e o dramático. Por exemplo: na manhã de 28 de julho de 1945, o tenente-coronel William Smith foi escalado para pilotar seu bombardeiro B-25, de Boston ao aeroporto de Newark, em Nova Jersey. Em vez disso, o piloto acabou se perdendo na densa neblina que cobria Manhattan naquele dia. A visibilidade era a de uma sala de sauna a vapor. William fez o que pôde para manobrar entre a floresta de arranha-céus da cidade. Por pouco, não atropelou o espigão da Solomon Tower. Minutos depois, ele diria pelo rádio: “Daqui onde estou sentado não consigo ver sequer o topo do Empire State Building.” Seriam suas últimas palavras: o ESB estava, ao pé da letra, à frente de seu nariz. Às 9h50, o B-25 entrou pela janela do escritório nº 7.915, no 79º andar do edifício.

Um dos motores do avião varou o prédio, de lado a lado, e foi sair no espaço aéreo da rua 34. O outro motor despencou pelo canal de um dos elevadores. Gasolina em chamas derramou-se pelas paredes externas até o 75º andar. Quem viu a cena diz que o ESB parecia o monstro Godzilla cuspindo fogo e ameaçando pisotear Manhattan. Os três tripulantes do avião morreram, assim como os 11 ocupantes do andar. Uma ascensorista sobreviveu a uma queda livre do 80º andar, salva pelo sistema de freio de emergência.

Falocracia – Assim como esta, as histórias do Empire State parecem exageros de pescador. A começar pelos motivos de sua gênese. Dois milionários capitães da indústria automobilística estavam em acirrada competição de macheza. Queriam saber quem tinha o maior… prédio. Um era Walter Chrysler, dono da indústria que levava seu nome. O outro era John Jakob Raskob, vice-presidente da General Motors e inventor do sistema de financiamento de veículos. A disputa seria resolvida com a construção dos dois maiores símbolos fálicos que a cidade tinha visto. Walter ergueu seu Chrysler Building, uma obra-prima art déco de 77 andares, que ocupa lugar especial no coração nova-iorquino. O arranha-céu – termo criado naquela época de explosão imobiliária vertical – posicionou-se como o maior do mundo, acabando com o curto reinado do Woolworth Building, de 1913 a 1930. Era a hora de Raskob mostrar o seu, e tinha de ser um colosso absurdo. Ele encomendou à firma de arquitetura William Lamb of Shreve, Lamb & Harmon um projeto faraônico. Recusou 59 desenhos, mas o 60º contentou seu ego. Tratava-se de uma única torre simples, com recuo começando a partir do quinto andar, linhas de perfeito art déco, imponente e exalando dignidade. Este monumento viril seria ancorado no exato endereço ocupado pelo luxuoso hotel Waldorf-Astoria original (o hotel que hoje ocupa a Park Avenue é uma segunda encarnação). Duas semanas depois de ser iniciada a demolição das torres do Waldorf-Astoria, em outubro de 1929, se deu o estouro da Bolsa de Valores de Nova York.

Depressão – A construção do Empire State se daria em plena depressão econômica. Os peões da obra sabiam que, se alguém perdesse o emprego, estaria na rua da amargura. Não é de estranhar que cada um labutasse com afinco em jornadas de até 14 horas. “Eu mesmo cheguei a trabalhar 18 horas seguidas durante vários dias e não exigi hora extra”, lembra Martin “Crazy Marty” Palumbo, um genovês ainda forte aos 87 anos. Ele ganhou esse apelido de Marty Louco porque era o mais atrevido entre os acrobatas que parafusavam as vigas de ferro que formariam o esqueleto do ESB. Os esforços e perigos custaram a vida de 14 pessoas. “Meus almoços eram feitos nas nuvens, empoleirado em vigas a 300 metros de altura”, diz. Deste modo, foi possível erguer quatro andares e meio a cada semana. Ajudou também o revolucionário esquema de paredes pré-moldadas que eram trazidas das fábricas em navios. Enquanto Marty Louco e seus colegas parafusavam as vigas de ferro (algumas chegavam ainda quentes das fornalhas de Nova Jersey), as paredes e o piso eram moldados a toque de caixa em vários pontos do país.

Com ou sem depressão, Raskob teria seu colosso ereto a qualquer custo. Desembolsou no final US$ 40.948.900, incluindo as terras que um dia pertenceram ao Chico Bastião. O prédio em si saiu por US$ 24.718.000, uma fortuna fantástica na época. Foi chamado para presidir a empreitada o colorido ex-governador de Nova York, Alfred Smith, que saíra derrotado nas últimas eleições presidenciais. Era como se, hoje em dia, um empresário chamasse Al Gore para ser mestre-de-cerimônia em tempo integral de uma incorporação imobiliária. E, como golpe final no rival Chrysler, Raskob plantou sobre o prédio uma agulha metálica, cuja existência permaneceu secreta até o final. A função oficial da estrutura era – imagine – a de servir de ponto de ancoragem para dirigíveis. Mas, depois de algumas tentativas muito malsucedidas, a idéia foi abandonada. Pouco importava: com a torre, anos depois aproveitada por emissoras de rádio e tevê, o que era enorme ficou ainda maior.

O portento de Raskob, no entanto, depois da inauguração se revelou muito parecido com o personagem central do filme de Fellini, O belo Antonio: lindo, mas impotente. Em plena depressão, quem iria comprar ou alugar escritórios no prédio? Veio logo o apelido: “Empty State Building”, num trocadilho com a palavra “vazio”. Até a recuperação econômica proporcionada pela Segunda Guerra Mundial, a maioria dos 102 andares ficou entregue às baratas. O que salvou o ESB foram os observatórios no topo. Milhões de pessoas peregrinaram, em jornadas que implicam baldeações em elevadores, aos observatórios dos 86º e 102º andares. Pagam hoje em dia US$ 9 por adulto e US$ 4 por crianças.

King Kong – O preço dos ingressos vale a pena. Além da vista magnífica – a melhor da cidade –, é possível testemunhar vários assombros. Em certos dias de nevasca, por exemplo, neva para cima (efeito de estranhas conjunções de vento). A chuva, em determinadas ocasiões, parece ser cor-de-rosa. Romanticamente, nas noites de primavera a eletricidade estática provoca pequenas faíscas nos beijos de namorados. A cerca protetora está lá para tentar conter os arroubos suicidas. Dezoito meses depois da inauguração, um homem iniciou esta prática sombria, pulando do 102º andar. Outros o seguiram, ou tentaram: em 1979, uma secretária desiludida conseguiu escalar a cerca e pulou do 86º andar. Sobreviveu ao ato tresloucado porque os ventos fortes a empurraram janela adentro do 85º andar.

Pior sorte teve o gorila King Kong, que se espatifou lá embaixo depois de cair da torre do prédio. Dentre as dezenas de filmes que têm o ESB como cenário ou parte do enredo, a obra de 1933 contando as macaquices de Kong continua sendo a mais famosa. Mas foi Deborah Kerr quem conseguiu definir o prédio de modo mais definitivo no filme Tarde demais para esquecer: “É a coisa mais próxima do paraíso que temos em Nova York.”