Exultante com a parceria firmada com o governo federal, o governador Sérgio Cabral tem se mostrado disposto a tudo para defender o presidente Lula. Desde a fusão do antigo Estado do Rio de Janeiro com a Guanabara, em 1974, nunca na história deste país se viu tamanho entendimento entre os poderes fluminense e federal. Em cinco anos os cofres estaduais deverão receber investimentos da ordem de R$ 100 bilhões, a maior parte enviada de Brasília. Em troca, Lula tem no Palácio Guanabara irrestrito apoio político. No Rio de Janeiro, quem for às urnas como adversário de Lula terá contra si o governador Cabral. A regra vale inclusive para seu próprio partido, o PMDB, mesmo que lance um candidato próprio. E, para evitar correr riscos, Cabral defende que o candidato seja o seu secretário de Esportes e Turismo, Eduardo Paes. Os novos investimentos e a retomada do crescimento econômico do Estado não têm, no entanto, afrouxado aquele que é o maior nó de sua gestão – e o mesmo enfrentado pelos governadores que o antecederam, desde a redemocratização: segurança pública. Recentemente, uma investigação da Polícia Civil resultou na prisão de 54 PMs por conivência com o tráfico de drogas. O combate à corrupção na polícia, diz o governador, vai continuar: "Temos de tirar esse câncer da instituição", disse o governador, que defende a legalização da maconha.

ISTOÉ – O sr. quer ser candidato a presidente em 2010 ou 2014?
Sérgio Cabral

Sou candidato a presidente do Vasco, é o meu sonho. O Rio já pagou um alto preço por ter políticos que só pensavam na Presidência da República. Durante 16 anos, até mais, tivemos governadores só pensando nisso, o que é uma bobagem, tolice. A caminhada até se tornar governador já depende de muitos fatores, e não apenas de obstinação. Muitos morreram na praia por conta desses afogadilhos. Não estou pensando nisso. Estou pensando em recuperar o Estado, que estava desestruturado, com desajuste fiscal, completa desorganização de receitas e despesas, caos na Cedae, a falta de uma estrutura para fazer obras, a preservação do meio ambiente. Há 18 anos não se fazia concurso para fiscal, há 12 o magistério não tinha o reajuste que dei agora, de 4%. A polícia estava há cinco anos sem reajustes e a saúde, há dez.

ISTOÉ – O sr. vê algum nome do PMDB que possa ser oferecido como candidato em aliança com o PT em 2010?
Sérgio Cabral

Está muito cedo. Temos eleições municipais antes, um processo grande ainda. Agora, é mais do que natural o PMDB ter um candidato próprio.

ISTOÉ – Mesmo que seja contra o presidente?
Sérgio Cabral

Contra o presidente jamais será. O PMDB está muito bem estruturado dentro do governo, tem aliança sólida com o presidente, que é um entusiasta do nosso partido. Não tenho dúvida de que defenderemos o governo Lula em 2010. Se tentarem botar o PMDB contra o presidente Lula, faço tudo para não permitir, até mesmo deixar o governo e me candidatar a prefeito nas próximas eleições.
 

ISTOÉ – Existe mesmo essa hipótese?
Sérgio Cabral

Sim, mas estou aguardando o secretário Eduardo Paes, que eu convidei para vir para o PMDB. Ficarei muito feliz se ele for candidato pelo meu partido. Se não for, vamos ver. Não sepultei a idéia. As pessoas acham normal o sujeito largar a prefeitura para ser candidato ao governo, mas não largar o governo para a prefeitura da capital.
 

ISTOÉ – Como o eleitor receberia isso?
Sérgio Cabral

Se ele perceber que há essa ameaça de a cidade do Rio ficar contra o presidente Lula, vai entender. O eleitor do Rio está muito feliz com essa aliança, está recebendo um volume de recursos e uma presença do governo federal como nunca aconteceu, inclusive na área da segurança.

ISTOÉ – Há resultados concretos dessa parceria?
Sérgio Cabral

Dias antes de eu assumir, o crime provocou um terror, com ônibus queimados, inocentes mortos, em um recado ao nosso governo. Convocamos a Força Nacional para nos ajudar e enviamos para a cadeia os 12 chefes do tráfico, fato inédito no Rio. Criamos o Gabinete de Gestão Integrada, que Minas e São Paulo já tinham, envolvendo PF, Abin, Forças Armadas, Polícia Rodoviária Federal, o aparelho de segurança do Estado e a prefeitura. Efetivamos também uma parceria com os Estados da região Sudeste. É um trabalho que envolve inteligência, informação, parceria e política ostensiva de combate à violência.

ISTOÉ – E as acusações de truculência por parte da polícia?
Sérgio Cabral

Eu queria ganhar essa luta sem disparar um tiro, sem confronto, mas é inviável. A luta implica o confronto também.
 

ISTOÉ – Algumas entidades temem que o combate à corrupção policial possa gerar uma crise institucional entre a PM e a Polícia Civil. O sr. tem esse receio?
Sérgio Cabral

A prisão de 54 PMs envolvidos com o tráfico foi conseguida através de uma operação de inteligência. Não vamos parar. Vamos continuar a combater os maus policiais. Causa mal-estar, é incômodo, desagradável, mas é fundamental. No momento em que você tem os agentes da lei e da ordem envolvidos com qualquer criminalidade, a eficiência da política de segurança se torna precária, fica com uma perna amputada. Temos que tirar esse câncer da instituição e temos o aplauso da sociedade e da própria corporação. A maioria da corporação é séria e se sente aviltada, desprotegida, quando companheiros seus trabalham contra a natureza do serviço e contribuem até para a morte de policiais.

ISTOÉ – Parte do público que assistiu a Tropa de elite aplaude a tortura. Há uma glamourização do policial violento?
Sérgio Cabral

Não. Nenhum padrão de conduta fora dos preceitos legais deve ser aplaudido. O fato de uma comunidade estar dominada pelo tráfico não justifica a criação de uma milícia. É preciso ter a polícia, a ordem pública.
 

ISTOÉ – E quando não existe polícia nem ordem pública?
Sérgio Cabral

Há que se combater a criminalidade o tempo todo, seja miliciana ou de traficante. Fora do Estado de Direito não há solução. No combate, você sendo alvejado, atirar e até mesmo matar aquele criminoso faz parte do confronto. Agora, dominado aquele criminoso, é preciso leválo para a prisão.

ISTOÉ – As operações nos morros não deveriam ser acompanhadas de ações sociais, de geração de renda?
Sérgio Cabral

Vamos investir, entre saneamento, urbanização de favelas, escolas públicas e clínicas, algo em torno de R$ 3,2 bilhões em comunidades carentes, dentro do PAC. Vamos entrar com a infra-estrutura, a acessibilidade. A morfologia da favela é ingrata porque não é só a polícia que não entra, são todos os serviços públicos. Vamos lançar linhas de microcrédito. Na Colômbia, eu vi o rei e a rainha da Suécia inaugurando uma baita biblioteca pública no alto de uma favela. Vamos fazer aqui.

ISTOÉ – O sr. defende a legalização da maconha?
Sérgio Cabral

Sou favorável à legalização, mas deve ser uma discussão no âmbito dos organismos internacionais. Os Estados Unidos e os países europeus precisam discutir também, não é possível o Brasil tomar uma decisão unilateral e se transformar na Disneylândia das drogas. Na relação custo-benefício, o balanço da proibição é altamente negativo para a humanidade, para todos os países. O número de vítimas por força da ilegalidade é muito grande, há o tráfico de armas e é grande a corrupção do aparelho policial, do Judiciário, do sistema político, do Estado.

ISTOÉ – É a proibição, então, que alimenta essa engrenagem?
Sérgio Cabral

É a mesma lógica que ocorreu nos Estados Unidos nos anos 1920, quando a proibição do álcool gerou corrupção do aparelho de Estado. Os americanos foram pragmáticos na questão do álcool, mas não têm sido pró-ativos no tema das drogas. E quem paga a conta maior são os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, os latinos, asiáticos, africanos, onde a violência do tráfico é muito maior. Claro que a droga faz mal. Tenho filhos e não quero que sejam dependentes. Mas é melhor discutir às claras, adotar políticas públicas de saúde e regras para a venda do que essa proibição. O mercado existe porque há demanda, que movimenta bilhões de dólares por ano no mundo. Dizem que o volume de recursos só perde para o petróleo e as armas. O volume de armas ilegais em função do tráfico é enorme.

ISTOÉ – O sr. já usou drogas? .
Sérgio Cabral

Não, mas tenho vários amigos que usaram. Acho que isso deveria ser tratado como assunto de saúde pública

ISTOÉ – O trem-bala Rio-São Paulo vai sair mesmo?
Sérgio Cabral

Vai sair, tenho certeza. Tive um encontro recente com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o banco vai contratar uma auditoria para avaliar o projeto. Nossa decisão é fazer. Tenho falado com o governador José Serra, montamos um grupo de trabalho. Assim que o BNDES tomar a decisão, vamos acompanhar. O projeto terá financiamento privado, provavelmente do Banco Europeu de Investimento. É altamente rentável, terá um retorno grande para investidores porque o que não falta é mercado.

ISTOÉ – Qual o tamanho desse mercado?
Sérgio Cabral

Não adianta nem contabilizar hoje os passageiros da ponte aérea ou dos ônibus porque é um negócio diferente, tão diferente e tão novo que vai ser um sucesso estrondoso. A construção deverá levar de cinco a sete anos e o público será muito maior quando ficar pronto. Quando o trem de prata saía às 11 da noite do Rio, chegando às 6h da manhã, tivemos mais de oito milhões de passageiros/ano na década de 70. Imagine com uma hora e meia de trajeto. O investimento é grande, de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões, mas quem investir vai ganhar muito mais dinheiro.