Poucas entidades com ações a favor do meio ambiente, entre elas muitas internacionais, colhem tão bons resultados como o brasileiríssimo Projeto Tartarugas Marinhas (Tamar), fundado há 28 anos e que reúne o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e a Petrobras. Na semana passada, os biólogos festejaram: três das cinco espécies que estavam ameaçadas de extinção foram declaradas em estado de recuperação. Ao longo dos anos, o projeto foi homenageado e premiado pela Universidade da Flórida, nos EUA, pela Frankfurt Zoological Society, na Alemanha, e por diversas outras instituições científicas da União Européia. Explica-se essa mobilização: cinco das oito principais espécies de tartarugas marinhas existentes em todo o planeta freqüentam a costa brasileira. Com os novos resultados, o projeto brasileiro poupou a vida de 60% das espécies de tartarugas marinhas no mundo.


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Quando o projeto Tamar ainda engatinhava, a pesca, a captura de fêmeas e a destruição de ninhos desses animais eram uma rotineira atividade predatória no País. Nos dias de hoje há toda uma geração de pescadores que se acostumara a ganhar dinheiro matando tartarugas ou delas se alimentando vendo seus filhos e netos preservando cada ovo encontrado nas regiões litorâneas do Brasil – pelo menos 80% dos integrantes da entidade são pessoas das próprias comunidades que se organizam ao redor de cada uma de suas 16 bases de proteção. “Houve tempo em que precisávamos provar que as tartarugas valiam mais vivas do que mortas, e só assim elas eram poupadas”, diz Neca Marcovaldi, fundadora e coordenadora nacional do projeto. Segundo ela, essa é uma das chaves do êxito: incentivar o desenvolvimento social e a consciência ambiental das comunidades. Prova disso é a Vila de Regência, no Espírito Santo, onde 10% da população retira o seu sustento confeccionando camisetas, chaveiros, bolsas e outros artigos com lemas de proteção às tartarugas marinhas.

Na última temporada de reprodução – entre setembro e abril deste ano –, os biólogos constataram o crescimento no número de desovas dos tipos Cabeçuda, Oliva e de-pente. Os números impressionam: 900 mil filhotes saíram dos ovos depositados nas praias e seguiram rumo ao mar – eles nadam cerca de 20 horas em linha reta e não param sequer para conseguir alimento evitando instintivamente as ondas que os devolveriam à areia. Todo esse processo é monitorado por especialistas e pela comunidade que integram o projeto. Durante os fluxos migratórios, um dos métodos adotados para reconhecer as tartarugas que vão e voltam é o da marcação em uma de suas patas: nela é atada uma minúscula chapa de alumínio numerada – isso não prejudica nem o seu organismo nem o seu nado. Como os movimentos migratórios relacionam- se às fases reprodutivas, a marcação facilita o monitoramento. Até março, por exemplo, observaram-se 1070 fêmeas nesse processo reprodutivo. Detalhe: 732 foram encontradas pela primeira vez e 338 já haviam sido cadastradas em outras temporadas. Uma delas, em especial, visita há mais de 20 anos as areias brasileiras. “Ela é muito curiosa, certa vez foi encontrada por nossos colegas na África do Sul”, diz Neca. Segundo os especialistas, o olfato parece ser o grande sinalizador nessas longas viagens: a tartaruga marinha reconhece o caminho de volta à sua praia natural pelo cheiro dos animais e de plantas que fica registrado no trajeto de ida de um local a outro. Há ainda a possibilidade de que esses animais se orientem pelos astros, conferidos cada vez que eles sobem à superfície para respirar. “A visão pode ser o seu sentido mais desenvolvido”, diz o oceanógrafo Guy Marcovaldi.

 

Uma das importantes estratégias de preservação das diversas espécies de tartarugas marinhas, na época de reprodução, é manter os ovos nos locais escolhidos pelas fêmeas. Esse cuidado é essencial, tanto assim que na última temporada cerca de 70% dos ninhos foram protegidos dessa maneira. Segundo biólogos, somente aqueles que corriam sério risco de predação humana ou animal, que poderiam ser levados pelas marés ou estavam depositados em áreas muito urbanizadas foram recolhidos e transferidos para os “cercados de incubação” expostos às condições climáticas naturais. Tais “cercados”, a rigor, cumprem uma função de proteção à tartaruga e outra pedagógica aos moradores da região, no campo da educação ambiental. “Não podemos nem devemos cuidar somente de animais”, diz Neca. “O desenvolvimento sustentável tem de estar ligado às questões ambientais e tem de cumprir, também, a função de educar as pessoas com vista à preservação.”