14/02/2001 - 10:00
Montagem sobre foto de Dárcio de Jesus |
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Um câncer de pele obriga Margarida a não se esquecer da sombrinha e do bloqueador solar |
Na luta contra a Aids, a ciência conseguiu grandes vitórias. Descobriu detalhes sobre o mecanismo de ação do HIV, o vírus causador da doença, e, principalmente, desenvolveu medicamentos que conseguem derrubar a quantidade de HIV no sangue a níveis indetectáveis. Hoje, existem cerca de 20 remédios, mais de 100 combinações possíveis – os coquetéis – e outras substâncias a caminho. Agora, no entanto, médicos e pacientes se vêem diante de um novo desafio: manter a qualidade de vida dos doentes e superar as dificuldades de saúde impostas pelos efeitos colaterais provocados pelas mesmas drogas que impedem a multiplicação do HIV. E não são poucos. Entre eles, estão a diabete, o aumento do colesterol e a distribuição irregular de gordura ao longo do corpo, num distúrbio batizado de lipodistrofia.
O problema da lipodistrofia, na verdade, é uma das alterações que mais incomodam os pacientes. “Enquanto há uma perda da gordura nos braços, pernas e rosto, ocorre também um ganho na região abdominal, na nuca e em alguns outros locais. Os seios de algumas mulheres também podem aumentar”, explica o infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Como muda a aparência, a lipodistrofia ataca a auto-estima e pode fragilizar ainda mais o equilíbrio emocional do paciente. Em alguns casos, abala até mesmo a decisão de persistir no tratamento. “Muitos pacientes aceitam bem o remédio até os primeiros sinais da lipodistrofia. Depois que ela aparece vem o desencanto. Nessa hora é que eles começam a aprender a lidar com as dificuldades da doença”, conta a psicóloga Valvina Adão, do Centro de Referência da Aids, de São Paulo.
O receio de ser estigmatizado pela aparência é um dos grandes temores de quem se olha no espelho e vê o rosto mudar por causa da perda de gordura. O ator paulista Danilo (nome fictício), 35 anos, que tem Aids há 12 anos, viu seu corpo sofrer essa mudança. Em dezembro passado ele entrou no consultório da dermatologista Luiza Keiko Oyafuso, do Hospital Emílio Ribas, decidido a recuperar a aparência saudável. O ator foi submetido a um tratamento à base de preenchimento dos locais sem gordura com uma substância chamada Evolution. “Fiz o preenchimento do rosto e voltei a me sentir normal”, afirma Danilo. “Não há contra-indicações e é uma solução importante para recuperar a auto-estima”, afirma o dermatologista carioca Márcio Serra. O resultado do tratamento estético feito por Danilo vai durar cerca de dois ou três anos, prazo em que a substância costuma ser absorvida pelo corpo. Mas também há produtos com efeito definitivo. A escolha fica a critério do dermatologista.
Hélcio Nagamine |
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Alves sofre com varizes, mas mantém o ânimo |
Para melhorar a aparência dos braços e pernas, entretanto, a solução está nas academias de ginástica. “Os exercícios fazem os músculos tomar volume e ocupar o lugar da gordura perdida”, recomenda Mário Serra. Outra alteração no corpo que incomoda os pacientes é a mudança na aparência dos vasos sanguíneos, que ficam grandes e saltados. A solução existe, mas depende de uma cirurgia estética, que não é coberta pelos convênios médicos. Valdemar Alves, vice-presidente do Grupo de Assistência e Prevenção à Aids, o Gapa, por exemplo, está há dois anos na fila de espera para fazer a operação num hospital público. Mas ele não se abala. “As varizes são doloridas, feias e incomodam, mas prefiro estar vivo”, diz.
Os outros efeitos, como a elevação nos níveis de colesterol, também preocupam os médicos (leia quadro à pág. ao lado). É cada vez mais raro, por exemplo, encontrar paciente em tratamento há mais de seis meses que não apresente variações nessas taxas de gordura. E, como se sabe, colesterol fora dos padrões desejados é um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares, entre elas o infarto. Com incidência menor, mas também grave, surgem a diabete e problemas no fígado e nos rins, como a formação de cálculos (as famosas pedras nos rins).
Na tentativa de reduzir esses efeitos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, os especialistas estão preocupados em definir qual é o momento mais propício para iniciar o tratamento com as drogas que compõem o coquetel. Se há alguns anos a meta era bater cedo e forte contra o vírus, iniciando o uso do coquetel praticamente logo após o diagnóstico, hoje é diferente. Médicos brasileiros e europeus, por exemplo, preferem só iniciar o tratamento quando verificam discreta variação na imunidade (com a diminuição na contagem de células de defesa do organismo, os linfócitos T4) e alguma elevação na carga viral. Já nos Estados Unidos, a tendência dos especialistas é dar início ao uso das drogas antivirais praticamente logo depois do diagnóstico. Mas os americanos decidiram colocar em discussão essa estratégia de tratamento e esse foi um dos principais temas da 8ª Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, realizada na semana passada, em Chicago, nos Estados Unidos. “O momento de entrar com medicação tem sido uma das questões mais polêmicas em relação ao tratamento”, explica o infectologista Artur Timerman, do Hospital Heliópolis, de São Paulo.
Alan Rodrigues |
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Danilo, de São Paulo, submeteu-se a tratamento estético para melhorar a aparência do rosto |
A decisão de rever as estratégias, no entanto, foi causada por diversos fatores. “Um deles é o custo do tratamento, principalmente em países como o Brasil, onde os medicamentos são distribuídos gratuitamente a cerca de 100 mil soropositivos. Outro é a possibilidade de adiar o aparecimento dos efeitos secundários”, explica o infectologista Jamal Suleiman. “A discussão de quando começar o tratamento é um indício de que a terapêutica não está mais restrita ao manual de medicina e caminha para se tornar mais humana”, analisa o infectologista Caio Rosenthal, do Hospital Emílio Ribas. A necessidade de informar os pacientes sobre os efeitos colaterais, por exemplo, está forçando maior participação do soropositivo nas decisões a respeito de seu próprio tratamento. “Existe a possibilidade de negociar com o médico para chegar a uma prescrição do que se consiga tomar. Se o paciente não aguenta determinados efeitos colaterais, pode trocar os medicamentos”, explica Mário Scheffer, representante dos pacientes no Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.
Além de tentar escolher o melhor momento para iniciar o tratamento com os remédios, há outras opções surgindo para minimizar pelo menos a lipodistrofia e as alterações nos níveis de colesterol. Trata-se de um novo remédio desenvolvido pela Brystol-Meyers Squibb, com lançamento previsto para este ano, que promete não provocar essas alterações. “Estamos vivendo a era do pessimismo com os efeitos colaterais, mas não podemos nos abater. Se chegamos até aqui, podemos ir muito mais longe”, defende José Valdez Madruga, infectologista do Centro de Referência e Tratamento da Aids (CRT).
Alerta em São Francisco |
A notícia, divulgada recentemente, de que está aumentando o número de homossexuais masculinos infectados pelo HIV em São Francisco, nos Estados Unidos, causou preocupação mundial. Afinal, foi lá que surgiram, no começo da epidemia, os primeiros grupos organizados de prevenção. O crescimento da infecção entre os homossexuais masculinos preocupa porque pode ser um sintoma de que a doença não assusta mais. “Também há indícios de que está aumentando a contaminação entre os homossexuais masculinos de São Paulo e de outras capitais”, afirma Mário Scheffer. Uma das possíveis origens desse fenômeno está num efeito indesejável do coquetel. “A confiança nos tratamentos estaria deixando as pessoas relaxadas demais em relação à prevenção da doença”, explica Scheffer. Com o uso do coquetel, a Aids deixou de ser considerada uma doença fatal para tornar-se um problema crônico. No entanto, essa não seria a única explicação para o problema. “Faltam campanhas de prevenção que atinjam a população mais pobre e também grupos específicos”, completa Scheffer. |