Cena 1: no domingo 11, helicópteros de combate Apache da Força Aérea israelense dispararam quatro mísseis contra um carro com uma placa de identificação palestina que circulava pelos arredores de Yabaliya, na Faixa de Gaza. O motorista morreu na hora. A vítima era o coronel Masud Ayad, 54 anos, comandante da Força 17 e um dos guardas pessoais do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Yasser Arafat. Quatro outros passageiros que estavam no carro ficaram feridos. Candidamente, o governo de Israel justificou o assassinato de Ayad afirmando que ele pertencia ao grupo guerrilheiro xiita libanês Hezbollah (Partido de Deus). No relatório ao Supremo Tribunal de Israel, o premiê Ehud Barak declarou que “o aniquilamento de terroristas palestinos é um ato legal”. Cena 2: na quarta-feira 14, o motorista palestino Khalil Abu Elba jogou o ônibus que dirigia contra um grupo de pessoas que estava numa calçada da cidade de Azur, ao sul de Tel-Aviv. Oito israelenses – sete soldados e uma civil – morreram e 17 ficaram feridos. “Segundo as primeiras declarações, trata-se de um acidente de trânsito”, tripudiou Arafat. “Seja qual for a sua causa, somos contra a morte de pessoas”, emendou. “Arafat deveria ser privado de seu status de quase-chefe de Estado, já que não garante o controle dos cúmplices do terrorismo”, respondeu o premiê Barak, para quem o assassinato sob o amparo na lei não constitui ato de terrorismo.

No mesmo domingo do ataque contra o guarda-costas de Arafat, o eletrotécnico israelense Tzahi Sasson, 35 anos, voltava à noite do trabalho em Jerusalém pela perigosa rota 60, a principal estrada que atravessa a Cisjordânia. Palestinos atiraram contra o carro do israelense, que perdeu o controle. Sasson, pai de duas crianças, morreu no hospital. A poucos metros dali, na mesma rota 60, exatamente onze horas depois, o operário palestino Ziad Abu Sway, de 20 anos, morador da aldeia de Artas, foi morto por soldados israelenses. Sway pertencia à facção política palestina Fatah (grupo de Arafat). O judeu Sasson e o palestino Sway morreram desarmados, a poucos metros de distância um do outro, ambos a caminho do sono dos justos.

Reuters
Terrorismo de Estado Barak invoca a lei para justificar o assassinato de inimigos palestinos

Bloqueio – Nos dias seguintes, a escalada da violência continuou, com a morte a tiros de um policial palestino por tropas israelenses e o ataque com morteiros a um assentamento judaico em Netzarim, em Gaza. Na sexta-feira 16, o Hezbollah realizou uma emboscada contra tropas israelenses em Shebaa, na fronteira com o Líbano, matando um soldado e deixando dois feridos. Depois do atentado com o ônibus, o governo israelense determinou o bloqueio total dos territórios palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. O único aeroporto palestino, localizado em Gaza, também foi interditado. Mas a medida mais dura – recorrente quando os confrontos se acirram – foi a proibição de palestinos de circular por Israel. Cerca de 120 mil trabalhadores palestinos são empregados em empresas israelenses, mas, segundo a Autoridade Nacional Palestina, apenas 14,5 mil possuem a permissão de trabalho. Segundo a ONU, desde o início da nova Intifada (rebelião), os palestinos já perderam US$ 1 bilhão.

A espiral da violência entre israelenses e palestinos faz pensar que o histórico acordo de paz assinado entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em 1993, não passou de um sonho de uma noite de verão. Desde que eclodiu a nova Intifada de palestinos contra Israel, há cinco meses, já morreram 325 palestinos, 13 árabes israelenses e 62 judeus. Analistas israelenses temem um envolvimento militar de países árabes no conflito – um acordo com a Síria não está mais à vista e o Iraque já volta a mostrar os dentes. E as chances de uma paz definitiva com os palestinos parecem ter ficado ainda mais distantes com a eleição, no último dia 6, do general ultradireitista Ariel Sharon, do Likud, para o cargo de primeiro-ministro de Israel. Sharon já condicionou a retomada das negociações com a ANP ao fim da rebelião palestina e, mesmo assim, num patamar inferior ao de hoje. Mas o velho militar tenta agora mostrar uma face conciliadora. Sharon costurou a formação de um governo de “união nacional” com os trabalhistas. Nesse futuro governo, o atual premiê Ehud Barak manterá o cargo de ministro da Defesa e o Prêmio Nobel da Paz e o ex-premiê Shimon Peres ocupará a chancelaria. A última experiência de governo de “união nacional” Likud-trabalhistas foi há 16 anos e abriu caminho para a primeira Intifada, em 1987. Assim, há pouca esperança que, no curto prazo, israelenses e palestinos abandonem a lei do Talião – olho por olho, dente por dente.