VERM-01-IE-2351.jpg
Auge
"Treino mais forte, hoje, do que quando tinha 21, 22 anos", diz ele

 

 

Medalhista olímpico e recordista mundial das duas provas mais badaladas da natação (50 m e 100 m livre), o paulista Cesar Cielo retornou recentemente do Campeonato Mundial em piscina curta, em Doha, no Catar, com três medalhas de ouro e duas de bronze. No ano que vem, no Mundial de Esportes Aquáticos, na Rússia, cairá na água para tentar um feito incrível: o tetracampeonato na prova mais veloz da modalidade, os 50 m livre. Dono de um retrospecto individual sem comparação no Brasil, Cielo está feliz como nunca com o trabalho coletivo da equipe de natação nacional.

VERMELHAS-02-IE-2351.jpg
"Anos atrás houve um boom de molecada que passou a
jogar tênis por causa do Guga. Hoje, a coisa se perdeu"

 

 

Em Doha, o time brasileiro conquistou dez medalhas, cravou dois recordes mundiais, outros dois do campeonato e 22 sul-americanos e, fato inédito, terminou o mundial na primeira colocação geral. Aos 27 anos, o experiente Cielo sabe que, resultados à parte, a administração da modalidade no Brasil está longe de acompanhar o desempenho dos nadadores dentro da piscina. Falta melhorar a estrutura para os atletas, avançar na organização de campeonatos com mais qualidade e afinar a relação entre atletas e patrocinadores. O maior nadador da história do Brasil – que pensa em estender a carreira para além da Olimpíada de 2016 – diz que está disposto a ajudar a construir um futuro ainda mais brilhante para a natação brasileira. 

VERM-03-IE-2351.jpg
"Tirando eu e o Thiago Pereira, que temos bons patrocínios,
há atletas de seleção fechando contratos que não são tão
bons porque isso é melhor que nada"

ISTOÉ

 Qual sentimento motivou aquele choro no pódio do Mundial de Doha, quando você recebeu a medalha de ouro?

 
Cesar Cielo

 O que passou na minha cabeça dessa vez, para ser sincero, não foi a superação ou os problemas que enfrentamos no dia a dia para chegar ali. Mas o fato de eu ter conseguido (vencer) de novo. Manter-se no topo depois de um certo tempo é uma das coisas mais difíceis do esporte. Porque a gente começa do zero sempre ao fim de cada temporada. Do zero mesmo! Temos de passar por todo aquele processo de queimar gordura acumulada nas férias, encarar treino de velocidade, potência, explosão. Eu venho fazendo isso desde 2001/2002 e, em alto nível mundial, desde 2006/2007. E a gente vê novas gerações, uma turma nova, talentos aparecendo. Então, cheguei a me questionar: “Será que vou conseguir ganhar mais uma vez, me manter no topo?” A minha preparação para o Mundial de Doha foi uma das melhores que já fiz na minha carreira inteira. Deixei de fazer coisas que faria antigamente aos sábados, como comer uma sobremesa que gosto e pegar uma sessão de cinema que iria até às duas horas da manhã, por causa da preparação. Fui para o Mundial de Doha como se fosse o último da minha vida.

 
ISTOÉ

 Esse resultado coletivo pode impulsionar mudanças na estrutura da natação no País?

 
Cesar Cielo

 Eu espero que sim. Agora, acreditar, por mais que eu queira… Bom, a nossa parte, dentro da piscina, estamos fazendo. Dentro do que posso fazer, tenho feito. O restante é problema político que vai além do nosso esforço. Esse momento é histórico, é o melhor momento da natação brasileira. O Mundial não tem o glamour de uma olimpíada, mas nunca fomos campeões do mundo como país. E acho que o Brasil não tem tanto esporte nesse nível para se dar ao luxo de pensar: “É só natação, deixa passar, não é tão importante, não”. No nosso país, as vitórias não vêm com tanta constância. É a melhor fase da natação do Brasil. Somos o país do futebol, não tem jeito. Não sei o quanto vamos poder colocar a natação na rotina, na cabeça do brasileiro. Em momento nenhum a gente quer ser campeão para ser conhecido – digo isso também porque essa história de querer ser notório, receber likes, virou uma febre. Na verdade, a gente quer ser reconhecido. Falo isso para os caras (nadadores) daqui do Minas Tênis clube.

 
ISTOÉ

 Por que o mercado e muitos brasileiros ainda não enxergam a natação como motivo de orgulho?

 
Cesar Cielo

 Anos atrás houve um boom de molecada que passou a jogar tênis por causa do Guga. Hoje, a coisa se perdeu. É uma questão mais política do que estrutural, talvez. A gente vê a arquibancada do Maria Lenk (parque aquático no Rio), por exemplo, quase vazia ou recheada em sua maioria por pais e amigos dos atletas. Nós, eu, o Thiago e outros, sabemos nadar. O esforço que for preciso para ajudar a natação, a gente faz. Mas chega um momento em que se depende mais da ala política do que da esportiva. Mesmo com campeões mundiais e olímpicos, não dá para deixar a coisa acontecer só por osmose. Tem de se fazer algo para divulgar essa imagem adiante. Não dá para esperar o pessoal se ligar no que está ocorrendo e curtir a gente. É um problema de gestão mesmo. Por outro lado, a gente gostaria que as pessoas entendessem que um atleta campeão mundial não é um artista de tevê. A gente não é celebridade. Nós temos essa dificuldade no trato com patrocinadores muitas vezes. Não se pode esperar do atleta o mesmo retorno de uma celebridade.

 
ISTOÉ

 Quais as principais dificuldades que os atletas de natação brasileira encontram?

 
Cesar Cielo

 A maior é a financeira. Hoje, tirando eu e o Thiago que temos bons patrocínios, há atletas de seleção fechando contratos que não são tão bons porque isso é melhor que nada. Enfim, enquanto se fala em profissionalização, há muito atleta no dia a dia com dificuldade de pagar as contas do mês vivendo apenas como nadador. E faltam mais competições nacionais de alto nível. O que funciona bem nos Estados Unidos é o sistema de Grand Prix. Tudo é organizadinho, com o horário certo. Falta isso aqui. Temos apenas três competições por ano nas quais vale a pena participar: Maria Lenk, Troféu José Finkel e Open de Natação. É muito pouco. Quem não está na seleção não compete lá fora e fica basicamente preso a essas três e a alguns campeonatos estaduais com nível menor. Ou seja, tem atleta que compete três, quatro vezes por ano só. É muito pouco.

ISTOÉ

 Em 2016, você estará com 29 anos. Qual o peso que a idade tem para um nadador como você? 

 
Cesar Cielo

 O Gary Hall foi campeão olímpico dos 50 m, em Atenas-2004, aos 29 anos. O que vale é estar disposto a passar novamente pelo treinamento, pela disciplina, rotina, mais do que a idade. A parte mental, então, conta mais. Fisicamente falando, é só saber respeitar o seu corpo. A idade não tem peso para mim. Digo a você que venho treinando com cada vez mais intensidade a cada ano. Eu treino mais forte, hoje, do que quando tinha 21, 22 anos. E o meu corpo continua suportando. Não sei quanto tempo a minha carreira de atleta poderá durar. Enquanto eu estiver competitivo e tiver confiança de que vou ganhar, vou continuar. Quero olhar para trás, quando parar de nadar, e não ter nenhum remorso. 

 
ISTOÉ

 Considera-se um atleta mentalmente forte?

 
Cesar Cielo

 Sou um cara que consegue deixar as coisas boas e ruins para trás com facilidade. 

 
ISTOÉ

 No que a acusação de doping e o julgamento no qual foi inocentado o fortaleceram?

 
Cesar Cielo

 Sinceramente o (episódio do) doping não me fez mais forte em nada. O que tirei desse episódio foi a certeza de que gosto do que faço. Numa situação extrema, vi que não era aquilo que iria me tirar do foco. Mancha na minha carreira? Em relação ao público, não sei o que as pessoas pensam. Mas, na minha cabeça, sei que não fiz nada de errado.  

 
ISTOÉ

 Ainda tem costume de escrever em papéis, antes das provas, o tempo que irá cravar nelas?

Cesar Cielo

 Sim. Em Doha, não bati os tempos que havia escrito. Nos 50 m livre, errei 30 centésimos e nos 100 m, mais ou menos, meio segundo. Sempre fui muito exigente comigo. Fico satisfeito quando faço o meu melhor, mais do que ser campeão em si. A medalha de bronze em Pequim foi a mais importante na minha carreira até hoje. Não fosse ela, nada na minha vida teria acontecido. 

 
ISTOÉ

 Quais programas você faz quando não está trabalhando?

 
Cesar Cielo

 Vou a restaurantes, cinemas. Estou namorando faz dois anos e meio. Quando começamos, disse a ela (a modelo Kelly Gisch) para esquecer feriado a dois enquanto eu estivesse treinando ou competindo. A alimentação teria de ser controlada como a minha, não podia sair da dieta e comer comidas naturebas comigo (risos). Essa parceria ajuda muito. Engraçado que o meu técnico, durante a temporada, deixa a barba crescer. Quando chegamos à competição e eu vou rapar os pelos do corpo, ele raspa a barba também. Diz que é para entrar na competição mentalmente raspado. Parece bobo, mas é bacana esse tipo de relacionamento, essa divisão de responsabilidades.  

 
ISTOÉ

 Você passou por uma cirurgia delicada nos dois joelhos logo após a Olimpíada de Londres. Temeu pela continuação da carreira em alto nível?

 
Cesar Cielo

 Demorou uns 13, 14 meses para eu sentir que poderia colocar força neles novamente, para deixar de sentir dor. Mesmo assim, dez meses depois da cirurgia, fui campeão mundial em Barcelona. Eu me questionava se iria conseguir nadar novamente no nível de antigamente. Foi um ano difícil. 

 
ISTOÉ

  Já imagina em qual prova, na Olimpíada de 2016, irá se sair melhor?

 
Cesar Cielo

 Nos 50 m livre. A prova de 100 m estou tentando focar mais no revezamento. O nosso time tem tudo para subir no pódio. Se será a minha última Olimpíada em 2016? Vai depender dos meus resultados, da minha motivação pós-Jogos. Mas, se eu sentir que dá para ir um pouquinho mais adiante com a carreira, irei.