16/12/2014 - 14:52
Desleal, irregular, machista e sabotador. O aplicativo Uber, serviço que usa carros de luxo para o transporte de passageiros, opera em mais de 200 cidades de 52 países, inclusive no Brasil (em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro), mas leva para onde for uma reputação pouco lisonjeira, descrita por uma série de impropérios. Desleal: porque os taxistas acham que não competem em pé de igualdade. Irregular: porque ainda não há uma legislação que contemple o serviço dos motoristas particulares conectados a usuários pela plataforma virtual. Machista: porque colocou modelos como motoristas numa promoção que questionava “quem disse que mulher não sabe dirigir?” E sabotador: porque os concorrentes acusam o Uber de contratar uma equipe apenas para cancelar milhares de corridas dos aplicativos rivais e, assim, recrutar os motoristas insatisfeitos que trabalhavam para essas empresas. Não bastasse isso, a imagem já suficientemente desastrosa ficou ainda mais manchada depois que, na semana passada, um motorista foi acusado de estuprar uma passageira na Índia. Resultado: o app acabou banido no país, como já havia acontecido na Espanha e na Tailândia (nesses dois casos, por motivos regulatórios).
EMPREENDEDORES
Os fundadores Travis Kalanick (acima) e Garrett Camp (abaixo)
levaram o Uber a uma avaliação de US$ 40 bilhões em apenas cinco anos
O que espanta no caso Uber é que, apesar da imagem negativa, a empresa cresce como quase nenhuma outra no mundo. Fundada há apenas cinco anos, a companhia de São Francisco, que trabalha com metas semanais e recebeu recentemente um novo aporte de US$ 1,2 bilhão, está avaliada em US$ 40 bilhões. O montante é maior do que o do Facebook em seu quinto ano de operação e quase o dobro do que o Twitter, fundado em 2006, vale hoje. “Não somos uma empresa de transporte, mas de tecnologia”, afirma Guilherme Telles, diretor-geral do Uber no Brasil. “Ainda somos uma coisa nova, que não se encaixa nas legislações, então como podemos ser ilegais?” Ao concentrar a operação no celular, o aplicativo ganhou espaço por acabar com a necessidade de as pessoas andarem com dinheiro, gorjetas ou cartão no bolso. Da chamada do carro ao pagamento, tudo é feito eletronicamente. E nem sempre isso sai mais barato que um táxi. No País, onde só existe a opção Uber Black, que utiliza carros de luxo, é vantajoso utilizar o serviço só em São Paulo e em Belo Horizonte. Mas o intuito do Uber é oferecer uma experiência melhor, mais cortês e personalizada do que a proporcionada pelos taxistas.
Com base apenas no sistema Android, o aplicativo já foi baixado por cinco milhões de usuários. Mas a coleção de polêmicas – há ainda denúncias de violação de privacidade e ameaças a jornalistas – pode causar problemas para a estratégia agressiva de crescimento da marca. “O Uber depende das pessoas para ser bem-sucedido”, disse à ISTOÉ Kellsy Panno, analista da consultoria SNL Kagan, da Califórnia. “Se as pessoas perderem a confiança na empresa, elas provavelmente vão deixar de aprovar os seus serviços e isso pode ameaçar o modelo de negócios.” Ciente disso, o Uber contratou, em agosto, um antigo diretor da campanha de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos para mudar sua imagem e passou a enfatizar que cria 50 mil empregos globais por mês. No horizonte da empresa, os investidores enxergam um negócio que pode incluir o transporte de bens e serviços e, assim, extrapolar os mercados de táxis e aluguéis de carros.
Antes disso, o Uber precisa lidar com seus próprios demônios. Presidente e cofundador, Travis Kalanick é uma figura tão controversa quanto a própria empresa. Ele justifica que tamanha pressa e obstinação para ser grande são resultado de milhares de “nãos” que ouviu em outras aventuras empreendedoras antes de fundar o Uber, ao lado de Garrett Camp. Naquela época, a falta de dinheiro fez Kalanick, que nunca chegou a se formar na faculdade de engenharia de computação, voltar a morar na casa de seus pais. Agora, aos 38 anos, é um bilionário. “Quando começamos o Uber, não pensávamos numa batalha, mas a guerra foi trazida a nós”, diz o empresário, que costuma se referir à indústria de táxis como um “cartel”. Nessa guerra, ele parece estar ganhando.
Fotos: Thor Swift Photography; David Ramos/Getty Images