Um forte e crescente movimento contra a presença das tropas sírias no Líbano é um sinal claro de que pela primeira vez, em 22 anos de ocupação, os libaneses rejeitam a intromissão da Síria na política interna do país. A análise é do jornalista libanês Issa Goraeib, 58 anos, diretor do jornal de Beirute L’Orient Le Jour, que esteve em São Paulo para falar sobre o processo de paz no Oriente Médio. O intelectual, que recebeu do governo brasileiro a comenda Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, fala nesta entrevista a ISTOÉ sobre a situação do Líbano e as reduzidas chances de haver paz com Ariel Sharon como primeiro-ministro de Israel.

ISTOÉ – Como o sr. analisa o novo governo de Israel?
Issa Goraieb – Mais importante do que o Knesset (Parlamento) é a personalidade do novo primeiro-ministro, Ariel Sharon. Os libaneses têm péssimas lembranças de quando ele foi ministro de Defesa de Israel. Os resultados dessas eleições causam muita preocupação. Apenas uma minoria acredita que ele possa nos surpreender.

ISTOÉ – Yasser Arafat perdeu a chance de fazer a paz com as propostas do ex-premiê Ehud Barak?
Goraieb – É muito fácil acusar Arafat. Admito que Barak foi muito mais longe do que qualquer outro premiê israelense, o primeiro a considerar que se poderia admitir ao menos uma soberania parcial aos palestinos sobre algumas partes de Jerusalém. Os palestinos reivindicam a posse de toda Jerusalém oriental. Talvez Arafat devesse ter agido como Barak, que disse: “Sim, temos aqui um plano”, e depois dizer, para seu povo, que jamais renunciaria aos lugares sagrados de Jerusalém. De qualquer maneira, a questão de Jerusalém não é apenas um problema palestino, mas árabe. Os palestinos não podem negociá-la sozinhos, porque é um local sagrado para todas as nações árabes.

ISTOÉ – Como está a situação dos refugiados palestinos no Líbano?
Goraieb – Esta é a questão mais importante para os libaneses. É uma bomba-relógio. Temos cerca de 350 mil refugiados palestinos no Líbano, ou seja, quase 10% da nossa população. Palestinos ainda sem um Estado. Como integrar esses refugiados numa sociedade já fragilizada pela disputa entre muçulmanos e cristãos? De todos os países árabes, o Líbano é o menos preparado para essa integração.

ISTOÉ – Como vê o futuro do Líbano?
Goraieb – Os libaneses estão exigindo uma redefinição das relações entre o governo sírio e o Líbano. Esse movimento é um novo fenômeno para que o Líbano seja mais viável. Não queremos mais ser um país-fantoche. Temos problemas, claro, com uma dívida interna de mais de US$ 20 bilhões. Agora o governo quer corrigir isso, reduzindo os gastos públicos e implementando um programa de privatizações.

ISTOÉ – Como o sr. analisa as relações do Líbano com o Brasil, uma vez que temos a maior comunidade libanesa fora do Líbano? Como essa comunidade poderá interferir nesse processo de reconstrução?
Goraieb – O libaneses no Brasil deveriam participar desta reconstrução. Alguns empresários prósperos poderiam visitar o Líbano à procura de boas oportunidades para fazer bons negócios. Ninguém quer caridade. Graças a Deus, não há discriminação aqui entre muçulmanos e cristãos. A comunidade libanesa aqui é leal à mãe-pátria, mas deveria ir além, criando uma federação libanesa e transformando-a em um lobby junto ao cenário político em Brasília, assim como funciona aqui e no resto do mundo o lobby judeu.