21/03/2001 - 10:00
No sexto dia da criação, Deus disse: “Frutificai, multiplicai, cumulai na terra e subjugai-a. E dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteje sobre a terra.” (Gênese, versículo 28). Por milhares de anos, o ser humano seguiu à risca o mandamento divino e imperou sobre todos os seres vivos. Depois de produzir em laboratório cópias saudáveis de ovelhas, porcos e ratos, o homem viu que criar era bom e agora quer ir além. Dentro de no máximo dois anos, uma mãe de aluguel dará à luz o primeiro clone do ser humano. Ainda não se sabe em que país o bebê nascerá. Também não se descarta a hipótese de já existirem experiências secretas em alguma parte do planeta. A verdade é que os avanços da genética traçaram um caminho sem volta.
Nem mesmo o brado do Vaticano segurou o ímpeto científico. Foi num congresso realizado em Roma, nas barbas do papa João Paulo II, que um consórcio internacional formado por três médicos peritos em reprodução anunciou a intenção de produzir clones para casais sem filhos, aí incluídos os parceiros estéreis e os homossexuais. Os especialistas são o israelense Avi Ben Abraham, o cipriota Panayiotis Zavos, professor aposentado da universidade americana de Kentucky, e o calabrês Severino Antinori, conhecido como “doutor Vulcão” por seus feitos controversos: o mais famoso deles foi ajudar uma mulher de 62 anos a engravidar. Na semana passada, mesmo ameaçado de perder a licença para exercer a profissão, Antinori não recuou. Revelou que já tem clientes interessados na clonagem.
Imortalidade – Líder do consórcio médico, Antinori pretende empregar a mesma técnica usada por cientistas ingleses para dar origem à ovelha Dolly, em 1997. A primeira etapa é colher uma célula do corpo da pessoa a ser clonada. Em seguida, pega-se um óvulo da mãe, de onde é retirado o núcleo e, com ele, todas as informações genéticas. Com a ajuda de uma descarga elétrica, os genes da célula saltam para o óvulo sem núcleo. As células se multiplicam e os embriões são implantados, em geral em grupos de quatro, no útero. Como nem todos os embriões vingam, a saída é produzir vários óvulos para depois inseminá-los em mães postiças. “Essa técnica substitui a união convencional entre óvulo e espermatozóide”, diz o ginecologista Eduardo Motta, dono de uma clínica de reprodução humana em São Paulo.
Candidatos não faltam. Há quem queira clonar um filho morto, outros que desejam replicar a si próprios para corrigir defeitos genéticos ou pelo simples prazer de driblar a morte. A técnica de clonagem apóia-se na metodologia da tentativa e erro. No caso da ovelha Dolly, foi preciso selecionar 277 óvulos, de onde surgiram 29 embriões e apenas um filhote. Nas experiências conduzidas com outros mamíferos, descobriu-se que é grande o índice de deformidades e malformações. Boa parte das criaturas não sobreviveu — ou foi sacrificada — antes de ganhar notoriedade. Bois clonados desenvolveram anormalidades na formação dos pulmões, do coração e apresentaram deficiência no sistema imunológico. E se o mesmo acontecesse com um bebê?