A tempestade político-econômica que atinge a Argentina já dispara raios certeiros contra o Brasil e o Mercosul. Na tentativa de se afastar do olho do furacão, Domingo Cavallo, nomeado para reassumir o Ministério da Economia, tem a tarefa de desfazer o nó em que prendeu o país ao ancorar o peso ao dólar, ainda em 1991, durante o primeiro mandato do presidente Menem. Como na primeira vez, Cavallo foi chamado para tirar a Argentina de uma grave crise econômica – antes, provocada pela hiperinflação, e, agora, pela recessão de quase três anos e a ameaça de uma desvalorização descontrolada da moeda nacional, que certamente quebraria o país. Com os investidores internacionais cada vez mais desconfiados, o tempo corre contra Cavallo e a economia argentina e, por extensão, contra os demais integrantes do bloco sul-americano.

As diferenças entre as duas crises, entretanto, existem e são relevantes, avalia o analista político argentino Oscar Raúl Cardozo. No início da década de 90, a Argentina possuía várias estatais importantes para vender e assim conseguiu recursos para financiar o seu déficit público. Agora, praticamente todas já foram passadas para frente e a resistência política às privatizações é bem maior. Em segundo lugar, Fernando de la Rúa é um dos presidentes com menor apelo popular da história argentina. “Sua figura é apática, quase nunca sorri e demonstra muita fraqueza”, diz ele. Além disso, a conjuntura internacional mudou radicalmente – em 1991, a economia americana saía de uma recessão, agora está a um passo de entrar em outra, arrastando consigo o dinamismo da economia mundial. Por último, havia a figura de Menem, um dos políticos mais carismáticos da história do país e defensor intransigente da dolarização total do país.

Como vizinho e principal parceiro econômico, o Brasil não poderia deixar de sentir os efeitos da turbulência. O dólar ultrapassou a cotação de R$ 2,16, no fechamento do mercado, na quinta-feira 22, num recorde desde a criação do Plano Real. No mesmo dia, a Bolsa de São Paulo chegou a cair mais de 6%. A alta do dólar fez o BC vender mais de US$ 500 milhões de suas reservas internacionais, além de ter de emitir quase US$ 1,5 bilhão em títulos atrelados à variação cambial, aumentando assim sua dívida em moeda americana. A própria estabilidade dos preços internos pareceu ameaçada na semana passada, como deu a entender o BC ao elevar os juros e frear o ritmo de consumo e de investimentos. “O mercado tem sido muito severo com o Brasil. Esse nervosismo não tem relação com os fundamentos da economia brasileira”, diz Octavio de Barros, economista-chefe do BBV Banco. Uma crise cambial na Argentina que a obrigasse a deixar de pagar sua dívida externa, diz o economista, ampliaria ainda mais o estrago sobre a economia brasileira, já que os investidores estrangeiros costumam ver os dois países sob o mesmo prisma. O mercado de títulos emitidos por empresas e governo brasileiros no Exterior para captar dinheiro já deu sinais de fadiga. O próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desistiu na semana passada de uma emissão quando percebeu que faltavam investidores interessados. “Esse tipo de operação sente rapidamente o nervosismo do mercado e se retrai. Essa janela, ao menos por ora, está fechada”, diz Ernesto Meyer, diretor do J.P. Morgan.