28/03/2001 - 10:00
Sábado 17 de março, o dia amanhece ao som de um forte mugido na Fazenda Sucupira, propriedade de 40 hectares nos arredores de Brasília. A alguns metros de distância, homens de macacão azul, lanternas e binóculos comemoram com gritos a chegada da recém-nascida. A cena insólita marcava o fim de duas semanas de um plantão tenso. Às 5h30, Vitória, uma bezerra de cabeça branca e pêlo marrom, se livrou da placenta e desabou seus 50 quilos no pasto verde reservado às “gestantes”. A mãe, uma vaca mestiça da raça nelore, não estranhou a filhote da raça simental que acabara de parir e lambeu a cria, garantindo sua limpeza e boa circulação sanguínea. Por telefone, o veterinário Evandro Souza Santos, parte de um grupo de 15 pessoas que sabiam do parto secreto, deu a senha ao resto da equipe: “Vitória nasceu forte, parto normal. É uma pisciana.” O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Alberto Portugal, e o ministro da Agricultura, Marcus Vinícius Pratini de Moraes, foram logo avisados. Tinham o que celebrar. Cinco anos depois do nascimento da ovelha escocesa Dolly, o País pariu o primeiro clone made in Brazil e entrou para o fechado clube das nações que desenvolvem experiências com clonagem animal. Dominando a biotecnologia, o Brasil quer produzir uma geração de animais geneticamente modificados, mais fortes e resistentes a doenças, como a febre aftosa e o mal da vaca louca.
O cenário é animador. Rebanhos pequenos e animais ameaçados de extinção podem ser multiplicados e sair da UTI ambiental. Para chegar lá, a Embrapa escalou um time de 20 embriologistas, veterinários, técnicos e universitários e gastou nos últimos três anos R$ 300 mil, transformando seu Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) num grande laboratório de um processo que, acreditava-se, era exclusivo de Deus.
Marco – Vitória faz parte de um curioso rebanho de vacas, ovelhas, cabritos e cabras de diferentes nacionalidades, descendentes da tecnologia usada para clonar Dolly. A bezerra brasileira e a ovelha escocesa, no entanto, nasceram de experimentos diferentes. Vitória é resultado de um processo chamado transferência nuclear, técnica menos complexa do que a usada pelo cientista Ian Wilmut para fabricar sua Dolly, na Escócia. Ainda assim, o experimento representa um divisor de águas. “O nascimento de Vitória é um marco em nossas pesquisas”, vibra o coordenador do Projeto de Biotecnologia da Reprodução, o médico veterinário Rodolfo Rumpf. “Vitória é o passo inicial para que o País domine essa tecnologia. Agora será possível aplicar a transferência nuclear em programas de conservação e melhoramento animal”, comemorou o ministro Pratini de Moraes, que na quarta-feira 21, quatro dias depois do nascimento da bezerra, anunciou o sucesso da clonagem nacional.