28/03/2001 - 10:00
Gracejos, convites indecorosos, piadas machistas, elogios ao corpo, promessas de promoção salarial ou ameaças de demissão. Toda sorte de chantagens para conseguir levar aquela funcionária gos-to-si-nha para debaixo dos lençóis agora pode virar caso de polícia, com boletim de ocorrência na delegacia e audiência no tribunal. Há muito tempo, entidades feministas e parlamentares engajados em causas sociais brigam para enquadrar quem tenta obter vantagens sexuais de seus subordinados. As mulheres, por ocupar poucos postos de comando nas esferas pública e privada, ainda são as maiores vítimas dessas ciladas do poder. E, na maioria das vezes, preferem calar a se expor e ter de aguentar comentários maldosos do tipo “Ah, mas você viu a profundidade do decote que ela estava usando…” ou “Se aconteceu é porque ela provocou”. Mas o clima no Congresso esteve favorável a elas. Como parte das comemorações do Dia Internacional da Mulher, a Câmara dos Deputados colocou na pauta de votações um pacote de projetos sugeridos pela bancada feminina. Um deles, de autoria de Iara Bernardi (PT-SP), transforma assédio sexual em crime e estabelece pena de detenção de 1 a 2 anos. O projeto ainda deve ser apreciado pelo Senado, mas foi aprovado por consenso entre as lideranças da Câmara, com apenas um voto contra.
Foi o suficiente para as feministas, alvoroçadas, quase queimarem os sutiãs em praça pública novamente. “Até hoje, o assediador era motivado pela certeza da impunidade. Agora, ele vai ter de pensar duas vezes”, comemora a coordenadora da Sempreviva Organização Feminista (SOF), Nalu Faria. Como o brasileiro é expansivo, gosta de abraçar, pegar na cintura, deitar no colo, a deputada procurou evitar confusões, tipificando o assédio como crime apenas nas relações de poder. No texto, ele aparece com a seguinte definição: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Portanto, atenção: a cantada não está proibida, nem a paquera. Desde que não haja chantagem. Outro dado interessante é que o projeto estende o crime para fora do ambiente de trabalho. Também merecerá punição o padrasto que persegue a enteada, o anfitrião que constrange o hóspede, o médico que intimida o paciente. O texto deverá ser incluído no capítulo do Código Penal que trata dos crimes contra a liberdade sexual. Vai figurar ao lado de estupro, atentado violento ao pudor e posse sexual mediante fraude. “Por falta de lei específica, as mulheres tinham que ficar procurando onde enquadrar o assediador. Uma das opções era o artigo 146 do Código, que trata de constrangimento ilegal e prevê multa de três meses a um ano de detenção”, explica Iara Bernardi, 48 anos, professora de biologia no ensino médio em seu primeiro mandato político.
A intenção é boa. Os efeitos práticos da lei, nem tanto. Choveram críticas à iniciativa de Iara. O lado bom é que o assédio passa a ser reconhecido como violência contra a mulher e deixa-se claro, de uma vez por todas, que ele mancha a reputação do agressor, e não do agredido. Mas expor através de um processo judicial um problema que tanto a vítima como o assediador preferem ver tratado com reserva pode provocar uma erosão em suas vidas. Além disso, se as provas já eram importantes, com o amparo legal elas tornam-se imprescindíveis. Aí vem o problema. Ao contrário do estupro ou do atentado violento ao pudor, no assédio não há o exame de corpo de delito. O que prevalece nessas situações são sutilezas, normalmente feitas a portas fechadas com sussurros, olhares mal intencionados e ameaças veladas. O ofendido reclama ao superior hierárquico, o agressor diz que foi um mal-entendido ou joga a culpa na mulher: ela provocou. Os demais funcionários juram que não sabem de nada.