Na Bahia começou a investigação que originou a Operação Navalha e o volume de irregularidades descobertas no Estado é tão grande que foi aberto um novo inquérito, por ordem da ministra Eliana Calmon, do STJ, em 10 de maio. O inquérito recebeu o número 561 – BA e em seu despacho a ministra trata essa nova investigação como Operação Octopus. Somados os fatos já descobertos pelas duas operações – Navalha e Octopus -, tanto a situação quanto a oposição no Estado têm muito o que explicar. A começar pelo governador Jaques Wagner, do PT.

Ele é citado pelo dono da Gautama – a empreiteira apontada como distribuidora de propinas para a obtenção de obras superfaturadas -, Zuleido Veras, em três conversas grampeadas pela PF. Nesses diálogos, Zuleido falava sobre obras no município de Camaçari, a cidade onde o governador começou sua vida pública, como sindicalista no Pólo Petroquímico. No dia 8 de maio de 2006, Zuleido telefona para o celular do prefeito Luiz Carlos Caetano, também petista e apontado como o herdeiro político de Wagner, com o intuito de marcar uma reunião, e usa o nome do governador. Quem atende é um assessor, de nome Ilário. Diz o relatório da PF: "Zuleido se identifica como sendo Zuleido da Gautama, diz que quer falar com (o) prefeito (….). Zuleido diz (que) quem forneceu o número 9174- 9174 foi Jaques Wagner." "Eu não passei telefone nenhum para o Zuleido. Isso foi bravata dele para chegar no prefeito", diz o governador. No dia seguinte, 9 de maio, Zuleido estava em Camaçari. Foi recebido pelo prefeito e, de acordo com a PF, nesse encontro teriam acertado as obras da Gautama no município.


LIGAÇÕES PERIGOSAS O governador Jaques Wagner
é citado pelo empresário Zuleido Veras. Seu antecessor
e adversário Paulo Souto (acima) era governador
quando ocorreram fraudes em licitação de serviços

Logo depois do encontro, Zuleido telefonou para seu filho Rodolpho. Nessa conversa, ele mencionou o nome do governador duas vezes. Registra o relatório da PF: "Zuleido fala ‘eu tinha botado ontem essa reunião com JW… então, aconteceu hoje ao meio-dia." Ele descreve ao filho o que conversou com Caetano: "Aí, eu disse… eu tenho duas coisas para falar com você, a primeira é que o (inaudível) tá do nosso lado e quer resolver … e a segunda, aí eu conversei até com Jaques." "É certo que o JW sou eu, mas esse encontro não aconteceu", diz Wagner. Em outro telefonama, Zuleido diz ao filho que o prefeito de Camaçari teria lhe dito: "Não saio daqui sem isso ser resolvido… Tenho um compromisso com você… você tá vendo aí o meu problema." De fato, o acerto entre Zuleido e o prefeito deu certo. O dinheiro para a Gautama saiu rápido. Em 16 de junho de 2006, a Prefeitura de Camaçari celebrou com o Ministério das Cidades o Contrato de Repasse nº 563035, no valor de R$ 9,7 milhões, dinheiro usado para pagar a empreiteira de Zuleido. A obra, para urbanização da cidade, acabou levando o prefeito para a cadeia na quintafeira 17. Wagner admite que conhece há muito tempo o empreiteiro, e que chegou a recebê-lo no Palácio do Planalto quando era ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. "Recebi como recebi vários outros empresários", explica. Em novembro do ano passado, Wagner, então governador eleito, foi visitado pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Passearam numa lancha de três suítes pela Baía de Todos os Santos. A lancha é de Zuleido. Durante a semana passada, o governador disse que não sabia quem era o dono da lancha.

Queria uma emprestada para passear com Dilma e pediu ajuda ao publicitário Guilherme Sodré, ex-marido da sua atual mulher, Fátima, e atual marido da chefe do cerimonial do governo da Bahia. Na quinta-feira 24, ele disse ter se lembrado de que durante o passeio de lancha fora informado de que o barco pertencia a Zuleido. "Não me recordo muito bem desse dia, pois estávamos no barco, com sol e umas cervejinhas…"

Certamente a oposição na Bahia deve ter comemorado quando o nome de Wagner foi interceptado na boca de Zuleido. Ex-ministro e agora governador, Jaques Wagner teve ascensão meteórica no cenário político baiano e hoje vê seu nome lembrado até para a sucessão do presidente Lula. O fato é que com os primeiros resultados da Operação Octopus também a oposição precisará, assim como Wagner, encontrar explicações. O que a PF já sabe atinge o governo de Paulo Souto, ligado ao senador Antônio Carlos Magalhães e antecessor de Wagner no governo da Bahia. Se no caso do empreiteiro Zuleido, o esquema baseava-se em fraudar grandes obras de infra-estrutura, agora o esquema, como descreve a ministra Eliana Calmon, "dedica-se à fraude em processos de licitação na área de prestação de serviços". No relatório ao qual ISTOÉ teve acesso, a PF aponta como chefe desse esquema o empresário Clemilton Andrade Rezende, 64 anos. Ele é dono de um grupo de empreiteiras acostumadas a trabalhar para governos estaduais e municipais. Além de Clemilton, há um outro empresário no topo da investigação: Marcelo de Oliveira Guimarães, ex-guarda de banco com 59 anos. Em despacho do dia 29 de novembro do ano passado, quando as investigações ainda não haviam se desmembrado, a ministra Eliana Calmon inclui Marcelo "no primeiro nível da organização", ao lado de Zuleido e de Clemilton. Marcelo, além de empresário, tem atuação política clara. Ele foi deputado estadual pelo PFL e presidiu por oito anos o Esporte Clube Bahia, o time de futebol mais popular de Salvador. Suas empresas atuam basicamente na área de segurança privada e nem todas estão em seu nome. Ele é apontado pela PF como o verdadeiro dono de firmas como a Seviba, de segurança e vigilância, e a Organização Bahia, de serviços de limpeza e locação de mão-de-obra.

Durante a administração de Paulo Souto, entre 2003 e 2006, só a Seviba recebeu mais de R$ 70 milhões do governo estadual. De acordo com o site Contas Abertas, de 2002 a 2007, em levantamento para ISTOÉ, três das empresas do grupo receberam R$ 38,5 milhões do governo federal, sempre na Bahia. O grupo, segundo a PF, começa suas fraudes antes das licitações. Com a conivência de servidores públicos, as empresas de Clemilton e Marcelo obtêm as certidões negativas necessárias para disputar os contratos. Depois, ganham as concorrências, dirigidas para favorecê-las. "Os fatos aqui apurados são de extrema gravidade e demonstram ações que estão a minar os já combalidos cofres do INSS e de secretarias de governo", escreveu Eliana Calmon no seu despacho de 29 de novembro de 2006. "Pelo que se apurou até o momento (…), trata-se de um grupo que pode ser classificado como praticante de crime organizado, seja pelas características (…) de atuação, seja pelo envolvimento de segmentos estatais representados por várias autoridades", prossegue ela. Os documentos do inquérito obtidos com exclusividade pela reportagem de ISTOÉ revelam que, dentre as autoridades investigadas está, por exemplo, o presidente do Tribunal de Contas da Bahia, Antônio Honorato de Castro Neto, indicado para o órgão pelo senador Antônio Carlos Magalhães. Há pelo menos dois nomes do governo de Paulo Souto: o diretor administrativo da Secretaria de Saúde, Hélcio de Andrade Júnior, e o chefe de gabinete da mesma pasta, Wedner Souza da Costa.

Depois de vencer as concorrências, as empresas de Clemilton e Marcelo costumavam fazer doações eleitorais a políticos do grupo de ACM. Em 2004, por exemplo, a Seviba doou R$ 27 mil para a campanha do senador César Borges à Prefeitura de Salvador. Nas eleições do ano passado, a empresa fez doações para Paulo Souto, candidato à reeleição, e para Rodolpho Tourinho, candidato derrotado ao Senado. Outra empresa de Marcelo, as Organizações Bahia, também deu dinheiro para a dupla. As empresas, todas elas alvo da investigação, são as maiores doadoras das campanhas do próprio Marcelo Guimarães, que perdeu a disputa por uma vaga na Assembléia Legislativa no ano passado, e de seu filho, Marcelo Guimarães Filho, reeleito para o segundo mandato de deputado federal.

EDMAR MELO/AG. A TARDE

AMIGOS? Geddel Vieira e Marcelo Filho, filho de Marcelo Guimarães (centro), do Bahia

Marcelo Guimarães, também conhecido pelo apelido de "Tiririca", sempre foi ligado a ACM. Ainda guarda boa relação com o senador. Mas, do ano passado para cá, com a eleição do petista Jaques Wagner, seu grupo começou a se bandear para o lado dos novos donos do poder. O deputado federal Marcelo Filho largou o DEM de ACM e aderiu ao PMDB, cujo diretório baiano é controlado com mão de ferro pelo ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. Sobre Marcelo- pai, Geddel diz: "Eu não sou inimigo, mas também não tenho relações próximas." E busca se precaver: "Se houve alguma conversa com meu nome, foi sem minha autorização."

EDMAR MELO/AG. A TARDE MARGARIDA NEIDE/A TARDE ANDRÉ DUSEK

PADRINHO Antônio Honorato, presidente do TCE baiano e o senador ACM, que o indicou