18/07/2001 - 10:00
O que acontece com políticos e suas estagiárias em Washington? Primeiro, foi o ex-presidente Bill Clinton e a sapeca Monica Lewinsky. Agora é a vez de outro democrata, o deputado estadual pela Califórnia Gary Condit, 53 anos, e sua protége Chandra Levy, 24. Está criado um padrão: homens mais velhos, poderosos, casados e assanhados, dando empregos mal remunerados, mas cheios de possibilidades, para mocinhas solteiras, carentes, ousadas e com uma queda para o romance proibido. Todos estes ingredientes se juntam para compor affairs secretos, tumultuados e propensos a escândalos. Clinton, quando encurralado, declarou à nação: “Eu nunca fiz sexo com esta mulher!” Já Condit apelou para: “Nós éramos apenas bons amigos.” No final se descobriu que os serviços prestados pelas estagiárias iam muito além da estenografia. Com Gary, diferentemente de Bill, que quase foi destituído do poder em 1999, a história não se repetiu como farsa, mas sim como tragédia. No dia 30 de abril, Chandra desapareceu. Em seu apartamento foram encontrados entre seus objetos pessoais, cartões de crédito, dinheiro e documentos, o que indica que seu sumiço tende a ser involuntário. “Já descartamos a possibilidade de suicídio. A vítima já teria aparecido, pois quem se mata não procura esconder o corpo”, disse a ISTOÉ o comissário-assistente da polícia de Washington Terrence Gainer.
A polícia está tratando o caso como se fosse de pessoa desaparecida – um procedimento padrão, já que não se tem um corpo. Mas poucos duvidam que Chandra tenha sido morta. O comissário Gainer assegurou que Condit não é suspeito do crime, até porque este não foi constatado. Mesmo assim, na madrugada da terça-feira 10, seu apartamento foi milimetricamente revistado durante três horas pelos investigadores do FBI, que levaram caixas de objetos da casa de Condit. “Esta revista é ao menos um começo e deverá dar à polícia condições para investigar, seja lá quais forem as evidências encontradas”, afirmou o professor forense James Starrs, da Universidade George Washington. Os policiais, na presença do próprio Condit, usaram luz infra-vermelha e substâncias químicas para tentar detectar qualquer sinal de sangue.
Mas, mesmo sem nenhuma prova, a opinião pública já condenou o deputado democrata. E desta vez não pesaram no veredicto apenas as questões moralistas sobre um homem casado – com mulher doente e debilitada – tendo um romance com mocinha que poderia ser sua filha. A reprovação americana ao congressista californiano foi reforçada pelo fato de que, em duas entrevistas com os detetives, Condit negou o relacionamento amoroso e se fechou em copas. Imagina-se que esta atitude tenha atrasado ainda mais a investigação. Mais uma vez, o país deu vazão a seu enorme voyeurismo e uma celebridade política mostrou que sua categoria encara a verdade de um modo maleável.
Pressão da família – A confissão de Condit foi arrancada a fórceps por uma campanha rica, sistemática e bem organizada pela família Levy. Desde o início das investigações os pais da vítima argumentavam que o deputado não estava revelando toda a verdade. Começaram a fazer pressão contratando um advogado poderoso e impertinente, Billy Martin, além de um conhecido relações públicas de Hollywood, Michael Levine. No 4 de julho, o dia da Independência americana, uma passeata de habitantes da cidade de Modesto – no distrito que há quatro eleições vem votando em Condit – saiu às ruas para chamar a atenção sobre o caso de Chandra. O país assumiu de imediato que o deputado não estava colaborando. A verdade do romance entre os dois veio em capítulos, como convém em novelas. Primeiro uma aeromoça ruiva de nome Anne Marie Smith foi às tevês dizer que ela também havia tido um caso com Condit e seus advogados haviam pedido para ela não tornar público o romance. Na quarta-feira 11, Anne Marie confirmaria tudo em um depoimento de seis horas à polícia, no qual contou detalhes de seu romance de um ano com o deputado. Depois foi a vez de Linda Zamsky, uma tia de Chandra, que diz ter sido confidente da moça e que já sabia do affair com Condit há muito tempo. Contou também que um dia antes de seu sumiço Chandra dissera que tinha grandes novidades para contar. Neste ponto Condit resolveu sair de seu aparente pasmo e contratou o advogado barra-pesada Abbe Lowell. A confissão de seu namoro com a vítima viria a seguir.
Para a polícia, em sua terceira entrevista, Condit disse que falara com Chandra no dia 29 de abril, mas não trataram de nada importante. Em seu relacionamento também não surgira nenhuma novidade. Negou que houvesse terminado o affair – como especulou-se na imprensa – e justificou sua relutância em revelar o namoro para proteger sua família do escândalo. Nem todos os habitantes do distrito californiano, que é curral do deputado, o condenam pela escapada extraconjugal. Sua esposa sofre de moléstia neurológica que a mantém quase incapacitada. O casamento é uma formalidade que o político cumpre, mas sem sacrificar totalmente sua vida amorosa, pois sua mulher mora na Califórnia e ele vive em Washington a maior parte do tempo. Pelos corredores do poder, ele trafega como um veterano galã. A imagem é reforçada pela foto que ele tirou para um calendário intitulado “Hulks of Hill” (algo como bonitões do Congresso), onde aparece encarrapitado numa moto e com pinta de Hell’s Angel.
Os lobos de Washington – Estes maneirismos de lobão de meia-idade podem causar o chocalhar de cabeças moralistas, mas se mostraram irresistíveis para moças ambiciosas. Chandra, que havia terminado seu estágio no Departamento Federal de Instituições Penitenciárias em Washington e pretendia regressar à Califórnia, entrou de chapeuzinho vermelho na história. Assim como ela, existem centenas de jovens que investem seu tempo e esforços como estagiários em escritórios de políticos na capital americana. Trata-se de um programa criado originalmente apenas para dar oportunidade a novas gerações de americanos, bem preparados nas universidades, de sujar as mãos na graxa das engrenagens do poder no país. Espera-se que saiam destes empreguinhos temporários preparados para liderar a sociedade em outros campos, ou até mesmo arriscar um cargo eletivo no futuro. Mas como as boas intenções servem apenas de calçamento no inferno das burocracias governamentais, muita gente é selecionada para o emprego não por seus dotes intelectuais, mas por outros motivos. Os correligionários, cabos eleitorais e doadores para fundos de campanhas de políticos eleitos acabam cavando posições para seus protegidos.
Os Levy, por exemplo, tinham boa conexão com o deputado Condit. Sua filha – que na verdade era uma boa aluna no curso de administração governamental na Universidade do Sul da Califórnia – acabou sendo premiada com um posto no escritório do Departamento Federal de Instituições Penitenciárias e na cama de seu pistolão Condit. Mais ou menos o que havia se passado com Monica Lewinsky na Casa Branca. Só que Washington se mostrou bem mais pernicioso e perigoso para Chandra.