18/07/2001 - 10:00
Em vez de receber o salário em peso argentino, a moeda nacional que mal resiste à desvalorização, que tal passar a receber em patacones? A proposta foi feita na semana passada por Carlos Ruckaulf, governador da província de Buenos Aires, em meio ao caos econômico que tomou conta do país. Pode soar como uma brincadeira de mau gosto, mas o governador fala sério – e patacones é o nome que encontraram para os títulos que ele pretende emitir e usar para pagar os funcionários públicos. É um sinal claro de a quantas anda a saúde financeira do país. E a questão de fundo é a mesma que aflige o ministro Domingo Cavallo: não há mais “plata” para o setor público arcar com seus compromissos. “Estamos sem crédito”, admitiu Cavallo, no dia seguinte ao leilão de títulos da dívida argentina, ocorrido na terça-feira 10, que foi visto como um divisor de águas. Deixou claro o tamanho do buraco em que a economia argentina se encontra. O leilão da terça serviria para o governo De la Rúa tomar emprestados US$ 830 milhões dos bancos locais, uma ninharia quando se considera que a dívida pública gira em torno de US$ 127 bilhões. O prazo também era modesto – de apenas três meses. Ainda assim, os investidores acharam arriscado demais. Depois de reuniões entre Cavallo e os banqueiros, estes últimos toparam fechar o negócio. Mas a condição imposta foi pesada: exigiram uma taxa de 14%, suficiente para quebrar uma economia em recessão há três anos, na qual um em cada três argentinos está desempregado ou subempregado.
Foi o sinal que faltava para o pânico se instalar. A Bolsa de Valores de Buenos Aires caiu mais de 6%. A taxa de juros nos empréstimos entre os bancos argentinos foi para o espaço, batendo 80% ao ano no caso dos financiamentos por um único dia. O índice que acompanha a confiança internacional na economia argentina disparou e correu o mundo a notícia de que o país não tem outra alternativa a não ser decretar o calote da sua dívida externa. O chamado risco-país ultrapassou os 1.200 pontos (equivalente a uma taxa anual de 12% acima dos títulos do governo americano de mesmo prazo), o que significa que o governo conseguiria, em tese, emprestar dinheiro no mercado internacional somente se topasse pagar muito caro. Tudo isso na quarta-feira 11, quando parecia que o fundo do poço havia sido atingido. Era só impressão, como demostraram os dias seguintes.
Sem opção – Diante da dura realidade, Cavallo abriu novamente sua caixinha de maldades. Na noite da mesma quarta-feira, anunciou que o governo não iria gastar mais do que arrecada, incluindo aí os gastos com salários do funcionalismo, aposentadorias, pensões e também compromissos com fornecedores. No caso dos salários e aposentadorias, significa que já no mês de julho o rendimento encolherá pelo menos 10%. Como o país está em recessão – e as medidas anunciadas tendem a aprofundá-la –, a chance de a arrecadação continuar caindo é bem maior do que a de aumentar. Além disso, foi aumentado o imposto sobre transações financeiras, cópia da brasileira CPMF, de 0,4% para 0,6%. Para garantir que todos paguem, o governo obrigou as empresas a depositar o pagamento dos funcionários em contas bancárias, proibindo o pagamento em dinheiro, que escaparia assim da cobrança do tributo. “Quem disser que há outra alternativa, está mentindo. Gastaremos somente aquilo que arrecardamos”, afirmou De la Rúa, no discurso que fez à nação, anunciando o pacote.
A notícia caiu como uma bomba na base política do presidente De la Rúa, já bastante debilitada desde a renúncia do vice Carlos Alvarez, da Frepaso – um dos partidos aliados. A reação contrária de maior peso, no entanto, foi a do ex-presidente Raúl Alfonsín, da União Cívica Radical (UCR), o mesmo partido do atual presidente argentino. “Teremos de encontrar um outro caminho para enfrentar a crise”, afirmou Alfonsín. Na noite da quinta-feira 12, em um encontro que reuniu De la Rúa e líderes da base governista, o tom de crítica às medidas anunciadas foi moderado. Alfonsín saiu da reunião, que foi até a madrugada da sexta-feira 13, tentando demonstrar boa vontade. “A UCR entende a situação e irá procurar apoiar o presidente”, disse. A atitude tímida, entretanto, é um indicador de que o respaldo a De la Rúa e Cavallo é extremamente frágil – e isso em um momento em que o país precisa urgentemente recuperar a confiança internacional. A reação da sociedade – principalmente do funcionalismo e de fornecedores – certamente incluirá muitos protestos e uma enxurrada de ações na Justiça por quebra de contrato, já que passarão a receber menos do que o combinado.
O mercado financeiro também reagiu com descrédito. O tal risco-país bateu na quinta-feira 12 os 1.550 pontos e as taxas de juros dos empréstimos entre os bancos chegou a inacreditáveis 250% ao ano, índice capaz de quebrar a mais sólida instituição financeira que, por qualquer motivo, precise tomar dinheiro emprestado. E a Bolsa chegou a despencar 13%, fechando com uma queda de 8,6%.
No Brasil, o dólar continuou sua escalada e bateu sucessivos recordes de alta ao longo da semana. A moeda americana chegou a ser negociada a R$ 2,58. O Banco Central, por sua vez, manteve a estratégia de realizar pequenas intervenções, economizando munição. O tamanho do arsenal disponível para combater a alta, por sinal, foi um atrito à parte. Em Nova York, o presidente do BC, Armínio Fraga, afirmou que poderia usar além de US$ 6 bilhões, se fosse o caso. A afirmação foi contra o que o diretor do BC, Luiz Fernando Figueiredo, havia anunciado com pompa e circunstância poucos dias antes, dizendo que a munição era de “6 bi e ponto”. No dia seguinte à fala de Fraga nos EUA, Figueiredo, então presidente interino do BC, reafirmou que o limite era esse mesmo. Fraga, de volta ao País, divulgou uma nota segundo a qual Figueiredo tinha razão e que nunca cogitara gastar além dos tais US$ 6 bilhões. Aproveitou para classificar como “absurdo” o boato que circulou com força de que Figueiredo, responsável pela operação de combate à especulação, iria deixar o BC em meio à crise. Enquanto isso, o País assiste, mais assustado do que nunca, o faroeste em que se transformou o mercado de câmbio brasileiro.