Temperatura média anual em torno de 30 graus. Chuvas praticamente inexistentes entre abril e setembro. Com 1,3 habitante por quilômetro quadrado, o extremo leste do Tocantins tem densidade demográfica mais baixa do que a do Acre e concentra as características fundamentais para merecer o apelido de deserto brasileiro. Menos uma: a abundância de rios e cachoeiras faz do Jalapão um imenso oásis, com paisagens paradisíacas e infinitas opções de lazer. O clima seco e árido foi a estratégia encontrada pela natureza para dificultar o acesso dos turistas e manter quase intactas as maravilhas do local. Apenas veículos com tração nas quatro rodas conseguem atravessar as esburacadas estradas de terra da região. Mesmo assim, a tarefa não é fácil. Participantes do Rally Internacional dos Sertões, que acontece todo ano em julho, elegeram o Jalapão como um dos trechos de maior dificuldade de todo o percurso.

Para os adeptos do turismo de aventura, no entanto, a dificuldade de acesso conta como ponto positivo na hora de traçar um roteiro. Vale pedir carona na beira da estrada, pingar de vilarejo em vilarejo em caminhões de bóias-frias, andar a pé e até de canoa. Nada é suficiente para desencorajar quem busca experiências inesquecíveis nas trilhas, dunas e corredeiras do coração do Brasil. Com a mochila nas costas, os aventureiros devem estar preparados para acampar à beira do rio Novo ou pernoitar em um dos pequenos hotéis de trânsito das cidades que formam o pólo ecoturístico do Jalapão. Para quem parte de Palmas, a porta de entrada é o município de Ponte Alta do Tocantins, a 189 quilômetros da capital. São 66 quilômetros de rodovia asfaltada, até Porto Nacional, e o restante em estrada de terra. A partir daí, cada curva do trajeto até Mateiros e São Félix do Tocantins surpreende pela paisagem única, uma mistura de vastas planícies semi-áridas e grandes chapadas. A travessia completa, de Palmas ao centro do Jalapão, exige pelo menos seis horas de viagem. Até 2006, o governo do Estado promete investir R$ 7 bilhões em obras de infra-estrutura. No trecho que liga Porto Nacional a Ponte Alta, tratores intensificam o trabalho e prometem asfalto para o próximo ano.

Enquanto a modernidade não chega, o empresário paraense Luciano Cohen, 36 anos, residente em São Paulo, resolveu lançar o primeiro caminhão especialmente projetado para turismo off-road – fora da estrada – do Brasil. Batizado de Korubo em homenagem a uma tribo indígena do Amazonas, o caminhão tem capacidade para 18 passageiros e percorrerá um roteiro semanal exclusivo no Jalapão até setembro, de onde partirá para conhecer outras regiões do País. “Vamos experimentar novos trajetos e, até dezembro, estabelecer uma proposta de roteiro para o ano que vem”, explica Cohen, líder da Korubo Overland Expedition. A proposta é fazer com que o caminhão passe o ano todo na estrada, enveredando pelo ser tão do Brasil. Caberá ao turista escolher quais trechos gostaria de percorrer e fazer sua reserva em operadoras de turismo como a Ambiental Expedition, parceira da empresa de Cohen. Por enquanto, a única certeza é que, entre maio e setembro, o destino será mesmo o Jalapão. Diferente das demais opções de pacotes turísticos na região, uma semana no Korubo dá direito a acampamento em barracas com camas (não é preciso dormir no chão), chef de cozinha para preparo das refeições, banheiros privativos e vasos sanitários com tratamento químico, além de chuveiros individuais com capacidade para dez litros de água aquecida pelo sol. Um acampamento chique.

Caldeirão – Seja a bordo do Korubo ou de qualquer outro meio de transporte, o importante é visitar o Jalapão e lavar a poeira do corpo nas estonteantes cachoeiras da Velha e da Formiga ou no Poço do Fervedouro, uma nascente onde a água desafia a gravidade e brota do chão de areia com tanta força que impede os banhistas de afundar. A água borbulhante transforma o lago circular em um enorme caldeirão rodeado por bananeiras, pronto para receber mesmo quem não sabe nadar. Já os nadadores mais corajosos podem providenciar colete salva-vidas, joelheiras e luvas de neoprene para praticar aquaraid, ou seja, descer se ralando, montado de bruços em bóias individuais, pelas corredeiras do rio Novo. Em terra firme, a grande pedida é enveredar a pé por trilhas no meio do cerrado e esperar o pôr-do-sol brincando de sandboard – surfe na areia – nas dunas da região. Uma escarpa com 40 metros de altura é a menina dos olhos de quem procura emoção, deslizando montanha abaixo sobre uma prancha de madeira. Quem se habilita?

BATATA DE PURGA
O estranho nome do maior pólo de ecoturismo
do Tocantins foi roubado de uma das plantas
mais tradicionais do cerrado, a jalapa. Conhecida popularmente como batata de purga, tem grande
valor medicinal. É usada no tratamento da prisão de ventre e de outros males do intestino

 

A supermáquina cruza o país
Para desenvolver o Korubo, Luciano Cohen se inspirou no conceito inglês de veículos especialmente projetados para expedições de longa distância. Em 1992, ao volante de um Fiat Uno, Cohen fazia trilhas na região de Ouro Preto, em Minas Gerais, quando se deparou pela primeira vez com um veículo da Dragoman, a primeira a trazer o modelo para o Brasil. Há dez anos, caminhões da empresa inglesa transportam todo ano turistas de todo o mundo para uma viagem ímpar ao redor da América do Sul, passando pela Patagônia, Rio de Janeiro, Amazônia e Chile. Fica a critério do turista estabelecer por quanto tempo permanece no percurso. Leonardo Cohen, fã de carteirinha da Dragoman, foi gestando o plano de sua vida: fundar a primeira empresa brasileira a realizar esse tipo de serviço, concentrando seus roteiros no interior ainda pouco desbravado do País. Gastou R$ 220 mil reais para comprar e reformar um Mercedes Benz 4X4 ano 1998. A antiga carroceria foi transformada em uma confortável cabine com 18 poltronas reclináveis, armários individuais, ar condicionado, janelas panorâmicas que se abrem totalmente em toda a lateral do veículo, toca CDs, geladeira, holofote para visualização de animais durante a noite, tomadas de 220 volts para carregamento de baterias e o maior dos atrativos: quatro escotilhas abertas no teto do caminhão, com capacidade para até oito pessoas. Além de tudo isso, o Korubo está equipado com trilhos à prova de atoleiros e sistema Global Star de comunicação via satélite. Como se não bastasse, leva “na garupa” uma motocicleta para eventuais emergências.