O aviso fora dado há mais de um mês. Em 5 de junho, o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu uma carta da Associação Nacional de Cabos e Soldados da Polícia Militar, que, em meio a uma lista de reivindicações, adiantava: “Não se pode tapar o sol com a peneira. Tanto ali quanto aqui, nunca os policiais, civis ou militares, estiveram tão aviltados como agora.” Mais adiante, nas últimas linhas, a ameaça: “Acautelem-se todos, pois a instabilidade dos fortes provocará a revolta dos fracos.” Promessa cumprida.

Na quinta-feira 12, Salvador chegou ao limite do caos. O oitavo dia da greve de policiais civis e militares no Estado ficou marcado pelo pânico dos moradores da capital. Lojas, shoppings, escolas e até hospitais públicos permaneceram fechados por falta de segurança. Foram registrados dez arrastões e roubos a farmácias, padarias e casas lotéricas no centro da cidade. Pelo menos 80 pessoas ficaram feridas. Comerciantes de Vitória da Conquista, Lauro de Farias e Feira de Santana também tiveram seus estabelecimentos arrombados. Números oficiais? Não houve. Caberia aos próprios grevistas o registro das ocorrências. Pelo menos seis agências bancárias foram assaltadas. Vigilantes particulares deixaram os postos. O sistema de telefonia ficou congestionado. Nas ruas, o número de ônibus e táxis caiu pela metade e o que se via era o corre-corre da população apavorada, com as notícias de assaltos que se repetiam. Uma bala perdida disparada durante um assalto ao caixa de uma escola particular, dias antes, havia matado a estudante Marijoce Gomes, 19 anos.

Na manhã do dia seguinte, o balanço da desordem. Ruas vazias, lojas, escolas e bancos fechados, serviços públicos suspensos e menos ônibus em circulação se misturavam à indignação das pessoas que se atreviam a enfrentar o dia-a-dia de uma capital sem policiais. No comércio, sinais das dezenas de saques ocorridos durante a madrugada. A Prpfeitura decretou ponto facultativo. Na sexta-feira também veio o reforço do Exército a pedido do governador César Borges (PFL). Ele se recusa a negociar com os policiais enquanto houver a greve. A Aeronáutica se encarregou de cuidar do aeroporto internacional Luís Eduardo Magalhães, e cerca de dois mil homens da tropa de elite das Forças Armadas chegaram ao Estado, incluindo helicópteros e a brigada de pára-quedistas. Na avaliação da Associação de Cabos e Soldados da Bahia, a presença do Exército contribui para o êxito da manifestação. “É bom que o problema ganhe dimensão federal, pois o governo estadual está irredutível”, diz o presidente da entidade Aguinaldo Pinto. “Não vamos ceder”, acrescenta ele. O piso de um policial civil no Estado é de R$ 600 e o militar, de R$ 450, incluindo as gratificações. Ambos reivindicam um ganho mínimo de R$ 1.200 e a reintegração de colegas presos, acusados de insubordinação.

Na fila – A crise na Bahia não é um fato isolado. Trata-se da segunda paralisação do gênero no mês, da terceira do ano e, pior, o caos serve como incentivo para que entidades de outros Estados comecem a pensar numa greve geral da segurança no País. Em Pernambuco, os policiais civis estão sem trabalhar há duas semanas e esperam um repasse de 28% para a categoria. Por enquanto, nem os grevistas nem o governo parecem ceder. A Associação de Delegados do Estado mostra-se cada vez mais solidária com o movimento. No Rio de Janeiro, agentes do sistema prisional adotaram na quinta-feira 12 a “operação-padrão” – quando os trabalhos passam a ser realizados em ritmo mais lento – e prometem cruzar os braços a partir da segunda-feira 23 se não houver negociação. Situação semelhante ocorreu no Amapá, onde os delegados da Polícia Civil pediram exoneração coletiva dos cargos de confiança na semana passada.

Para o presidente da Associação Nacional de Cabos e Soldados, deputado estadual Cabo Wilson (PSDB-SP), a paralisação generalizada só não estourou ainda porque ele vem adiando, propositadamente, a reunião que acontece anualmente, entre abril e maio, com todas as entidades do País. “Num momento desses, ninguém sabe que decisões podem sair de uma assembléia geral”, afirma. A união entre policiais militares e civis no Estado de São Paulo já dá uma pista de que a suspeita levantada pelo presidente da Associação tem fundamento. Nunca na história as duas categorias estiveram tão amiguinhas. “A fome nos uniu”, diz o presidente do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo, Paulo Siqueto. Policiais aproveitaram o feriado paulista de 9 de julho para levar cartazes cobrando reposição de 41% em todos os salários da categoria. Na quarta 11, cerca de 200 mulheres de PMs tentaram bloquear a rodovia dos Tamoios em São José dos Campos. Outros protestos estão sendo programados até agosto, quando deverá ser votado na Assembléia Legislativa o reajuste de 6% a 10% proposto pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). “Se ficar só nesse porcentual e os deputados aprovarem, a paciência vai chegar ao limite”, acrescenta Siqueto.

No Paraná, o prazo dado pelos policiais militares que pedem um reajuste salarial de 38% é mais curto. Se até sábado não houver sinalização de aumento, o movimento das mulheres dos PMs promete invadir os quartéis. “Os exemplos da Bahia e de Pernambuco nos incentivam mais”, afirma Vânia Zanella, uma das organizadoras do movimento. Quarta-feira é dia de o governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), receber policiais civis e esposas de PMs, que cobram um reajuste de 30%. Os policiais militares de Alagoas também decidem na terça se cruzam ou não os braços pelo aumento do piso dos atuais R$ 450 para R$ 1.200. A situação é tensa ainda em Brasília, onde há dois meses o presidente da Associação de Cabos e Soldados, Sidney Patrício, está preso. PMs que preferem não se identificar garantem que a entidade apóia uma eventual greve geral. Na quarta 11, entidades solidárias ao cabo Patrício veicularam anúncio nas rádios chamando o governo do Distrito Federal para negociar.

Colaborou Leonel Rocha (DF)

Vaias e pancadarias
Dez dias depois de usar policiais disfarçados para agredir manifestantes nas comemorações do dia 2 de Julho (aniversário da independência da Bahia), em Salvador, ACM foi vaiado durante uma solenidade para cacauicultores na Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus. Acompanhado do governador César Borges e dos senadores Paulo Souto e Waldeck Ornelas, o ex-senador ouviu dos cerca de mil manifestantes gritos de “Um, dois, três, ACM no xadrez”. O grupo de PMs que dariam segurança às autoridades limitou-se a assistir ao tumulto. O protesto, que lembrou o episódio da violação do painel do Senado, chegou ao auditório da universidade. As vaias impediram ACM de discursar. Irritado, ele chamou os manifestantes de “vacas loucas”. O protesto foi coibido com violência por membros da Casa Militar do governo da Bahia, policiais à paisana e simpatizantes do ex-senador. A ordem para o confronto partiu do governador César Borges. A presença do governador e de ACM na região foi uma tentativa de faturar a iniciativa de um programa do governo federal para recuperação da lavoura cacaueira, anunciada na região por parlamentares da oposição como Benito Gama, Leur Lomanto e Toland Lavigne, todos do PMDB.