18/07/2001 - 10:00
F.S. foi detido com maconha pela primeira vez por policiais quando tinha cinco anos de idade. “Era um bolão de fumo. Eu tava doidão. Foi meu tio quem tinha dado”, conta o menino, hoje com nove anos. Várias vezes ele foi preso em companhia de adultos. “Vendia a pedra (crack) dentro da caixinha de chicletes, a dez conto (R$ 10)”, explica ele. F. vive na rua. Até pouco tempo atrás, perambulava pelas praças da Sé e da República, no coração de São Paulo. Assim como outros meninos de rua, foi expulso da região pela Polícia Militar, indo parar nos arredores da cidade. F. passou por Santo André, Suzano e agora está em Ribeirão Pires. Hoje, quem visita o centro de São Paulo tem a falsa impressão de que a maioria das crianças de rua foi acolhida. Na verdade, elas apenas migraram.
Os meninos de rua têm quase sempre a mesma história. São de famílias pobres, têm pais desempregados, muitas vezes alcoólatras ou drogados. Saem de casa porque são espancados ou violentados e abandonam a escola. F., por exemplo, nunca conheceu o pai. Sua mãe vendia roupas numa feira livre em Santo André, região industrial da Grande São Paulo, quando conheceu um de seus últimos namorados, um assaltante. Os tios e primos de F. também roubavam e traficavam drogas. “Eles davam maconha para mim fumar na frente da minha avó”, conta o menino. Como um adulto, F. relata: “Desde pequeno, eu já ia para o samba, à noite.” Voltava sempre às três ou até as cinco da madrugada. “Quando eu chegava em casa, minha mãe me batia com cinta e vassoura, me colocava debaixo do chuveiro gelado e deixava amarrado com corrente no pé da cama. O cara que tava com ela também me batia muito e, por isso, um dia, quase matei ele com várias facadas. Aí, resolvi ir embora.”
F. comenta com naturalidade cenas do cotidiano do crime. Relata situações de perigo como o dia em que roubou um filhote de rottweiller num supermercado. “Saí correndo com o cachorro na mão e os caras foram atrás de mim.” Lembra também de ter furtado dinheiro de sua mãe para comprar um carrinho de brinquedo com controle remoto. “O que eu mais gosto é de fliperama. Se tiver dinheiro, jogo sem parar.” A. V., 14 anos, amigo de F., diz que é muito difícil “ver os boys na rua com jeans, camiseta e tênis da moda e a gente sem nada”. Para conseguir dinheiro e comer, A. roubava motoristas com estilete ou caco de vidro. “Agora, parei”, diz ele.
A região da Sé abrigava vários grupos de meninos de rua. Depois da repercussão, no Exterior, de denúncias sobre a situação dos meninos de rua brasileiros, a polícia começou a proibir que eles se aglomerassem nesses locais. Na Sé, os meninos dormiam nos bancos da praça, tomavam banho numa fonte e realizavam pequenos furtos. Muitos foram espancados por policiais e sofreram atentados. Outros, quando retornavam para casa ou visitavam parentes na periferia, acabaram mortos pela polícia ou matadores pagos por comerciantes. “Os homens da bota (PMs) sempre acordavam a gente a pontapés”, testemunha A. V..
Outro garoto, R. B., 16 anos e na rua desde os 13, que agora vive em Ribeirão Pires, morou debaixo de um viaduto no centro de São Paulo e foi olheiro de uma boca de fumo. Ele reclama de policiais que não cumprem o Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 11 anos na sexta-feira 13. “Pela lei, a gente não pode ir para cadeia comum. Mas eles pegam a gente e deixam na cela, às vezes até por uma semana. Isso é mais comum nas cidades fora de São Paulo”, denuncia. “O problema hoje é maior por causa do desemprego e da falta de estrutura do governo para atender esses jovens”, garante o educador João de Deus Nascimento, coordenador do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. “As crianças apenas se dispersaram”, completa ele.
Abandono – Atualmente, 4,5 mil crianças e adolescentes estão internados na Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem) de São Paulo. “Pelo menos 50% podem ser considerados meninos de rua, porque foram abandonados ou saíram de casa”, afirma o educador Abimael de Jesus, 29 anos, do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente do bairro paulistano de São Miguel Paulista. “É preciso tentar resolver os conflitos nas casas, antes da saída das crianças”, sugere o educador. Abimael viveu nas ruas desde os oito anos. Casado e pai de dois filhos, quer se formar em direito para defender crianças que estão na rua. “A minha história é uma prova de que a gente pode mudar esse quadro. É só mostrar um caminho, uma chance”, assegura.
*Gilberto Nascimento faz parte da rede de jornalista Amigo da Criança, criada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) em parceria com a Embratur, o Unicef, a Fundação Abrinq e McCann