21/11/2014 - 21:00
Filho de imigrantes portugueses cristãos, Michaël dos Santos tem 22 anos e há cinco, na mesma época em que obteve a cidadania francesa, se converteu ao Islã. Quando ainda vivia no subúrbio de Champigny-sur-Marne, a 12 quilômetros de Paris, levava uma vida aparentemente pacata e modesta ao lado da mãe, faxineira, e do irmão mais novo. Apesar de Santos ser monitorado pelo serviço de inteligência da França há quatro anos, isso não o impediu de deixar o país rumo à Síria, onde uma guerra civil, que começou em 2011, criou um ambiente propício para o surgimento e o avanço de diversos grupos extremistas armados – o mais violento deles, conhecido como Estado Islâmico (EI), acolheu o jovem francês em meados de 2013. Na semana passada, sua mãe o reconheceu entre 17 jihadistas que apareceram sem máscaras num vídeo superproduzido e divulgado pelo próprio EI com a decapitação de soldados sírios e do americano Peter Kassig. Acredita-se que o único insurgente com o rosto coberto seja o britânico Abdel-Majed Abdel Bary, 24 anos, o “jihadista John”. A avó de Michaël, Maria dos Santos, disse, incrédula, ao jornal francês “Le Monde” que ele era “muito gentil”. “Devem ter dado drogas a ele.”
A história de Michaël dos Santos é comum entre os mais de 15 mil guerreiros de 80 países, segundo o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, que seguiram o caminho até a Síria e o Iraque nos últimos meses para se juntar ao EI e outras milícias radicais. Desse total, estima-se que 3 mil sejam europeus e um terço deles, franceses. Maxime Hauchard, 22 anos, também identificado no vídeo da semana passada, cresceu entre os poucos mais de 3 mil habitantes da cidade de Le Bosc-Roger-en-Roumois, na Normandia. Recém-convertido ao islamismo e atraído pelo radicalismo depois de assistir a vídeos pela internet e viajar à Mauritânia duas vezes, Hauchard disse ser um trabalhador humanitário para conseguir entrar na Síria em agosto do ano passado. Desde então, ele passou por um treinamento de um mês e participou de diversas missões do EI, inclusive a tomada de Mossul, segunda maior cidade iraquiana, que desencadeou uma resposta internacional ao grupo terrorista em junho.
O próprio Hauchard descreveu sua motivação em entrevista via Skype à rede de tevê francesa BFMTV, em julho. “Estou esperando a morte”, afirmou. “Meu objetivo é ser um mártir.” À mesma tevê, seu tio, Pascal, teve reação semelhante à de Maria dos Santos. “Não entendo. Meu sobrinho jamais cortaria uma cabeça”, disse. O britânico de origem iemenita Ahmed Muthana, de Cardiff, pensa de forma diferente. Ao suspeitar que seu filho Nasser Muthana, ex-estudante de medicina de 20 anos, esteja no vídeo das decapitações, ele foi categórico: “Se foi isso que ele fez com alguém, então é isso que deve ser feito com ele”, afirmou ao tabloide britânico “Mirror”. Mesmo utilizando tecnologias de reconhecimento facial, as autoridades não confirmaram a identidade de Nasser nas novas imagens, mas o rebelde já havia aparecido num vídeo de propaganda do califado convocando outros muçulmanos compatriotas a lutarem ao seu lado. O anúncio funcionou com o irmão Aseel, 17 anos, que, há cinco meses, partiu para a Síria. O pai, Ahmed, disse que não os quer de volta.
“Meu filho morreu lutando pelo EI”
A canadense Christianne Boudreau perdeu o filho de 22 anos para o Estado Islâmico e decidiu que falar sobre isso seria a melhor forma de evitar que outros jovens sigam seu caminho. “Falar abertamente faz parte do meu processo de cura”, diz. Damian Clairmont, o filho de Christianne, dizia que queria estudar árabe no Egito. Mas, quando embarcou para o Oriente Médio, não voltou mais. Ele foi para a Síria, onde se juntou aos jihadistas do EI e morreu em batalha. Na semana passada, Christianne falou com a ISTOÉ por telefone.
ISTOÉ – Como Damian se converteu ao Islã?
Christianne Boudreau – Vivíamos em Calgary numa sociedade multicultural e perto de casa havia muitas mesquitas. Damian passou a se interessar pelo islamismo e ler tudo sobre o assunto. Como cristã, sou aberta a todas as religiões desde que sejam pacíficas. Disse que ele poderia encontrar o que fosse melhor para ele. Ele se converteu em 2008 quando tinha 17 anos. E isso foi uma coisa boa por três anos. Ele sofria de depressão e a religião o fazia se sentir melhor. Até que, em 2011, ele começou a mudar, a se isolar e a ter ideias mais radicais.
ISTOÉ – Como ele era antes da radicalização?
Boudreau – Damian era muito inteligente e carinhoso comigo e os irmãos, mas tinha dificuldade de se relacionar com mulheres, sobretudo dos 15 aos 17 anos. Ele se sentia incompreendido e abandonou a escola.
ISTOÉ – A sra. manteve contato com seu filho enquanto ele estava na Síria?
Boudreau – Ele partiu em novembro de 2012 e um mês depois me ligou. Trocávamos mensagens pelo Facebook. Pensei que ele estivesse no Cairo. Em janeiro de 2013, o serviço secreto me avisou que estavam investigando Damian e que ele provavelmente estava na Síria.
ISTOÉ – Como Damian morreu?
Boudreau – Ele foi morto em janeiro deste ano numa emboscada do Exército Livre da Síria, em Alepo. Soube por um jornalista.
ISTOÉ – As redes sociais têm papel relevante no recrutamento de jovens ocidentais?
Boudreau – Com certeza. Primeiro eles conhecem alguém que introduz a ideologia e depois passam a pesquisar na internet e se conectar com extremistas. A doutrinação ocorre de forma que eles encontrem um propósito de vida e uma sensação de pertencimento.
ISTOÉ – Se seu filho pudesse ter voltado para casa, a sra. o perdoaria?
Boudreau – Sim, acredito no perdão.
Fotos: AFP PHOTO/HO