O combate à pobreza vai ocupar o centro das discussões da 55ª reunião anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), durante essa semana em Praga. Pressionadas pelos movimentos que criticam a globalização, as instituições anfitriãs dizem estar mais dispostas a encarar os problemas dos perdedores das políticas que recomendam. A preocupação parece ser aparente, no entanto. Os que defendem uma atenção maior aos aspectos sociais têm espaço restrito dentro dessas organizações. Quem denuncia é Alex Wilks, coordenador do Bretton Woods Project, uma rede de organizações não-governamentais (ONGs) da Inglaterra criada em 1995 com o objetivo de monitorar as atividades do Banco Mundial e do FMI. Uma evidência desses limites apareceu durante a elaboração do relatório “Luta contra a pobreza”, recém-publicado pelo Banco Mundial e base para as discussões em Praga. A pedido do principal autor do relatório, o economista Ravi Kanbur, o Bretton Woods Project organizou uma conferência eletrônica para debater uma primeira versão, divulgada em janeiro via internet. Foi um sucesso: 1.523 pessoas de 80 países participaram. Em junho, Kanbur pediu demissão do Banco Mundial. Deixou para trás dois anos de dedicação ao trabalho, por não suportar as interferências de membros do alto escalão dos países ricos para que maneirasse nas críticas à globalização. A versão final ficou mais amena. O coordenador do Bretton Woods Project está em Praga para participar dos protestos e tentar viabilizar um website que junte diversos materiais críticos às análises do Banco Mundial. Em entrevista exclusiva a ISTOÉ, Wilks fala dos limites para mudanças nas análises e ações do Banco Mundial e FMI.

ISTOÉ – O relatório anual “Luta contra a pobreza” revela uma visão mais aberta do Banco Mundial aos problemas sociais?
Alex Wilks – É um avanço. Por exemplo, o Banco Mundial reconhece que a questão da pobreza é política e não só econômica. No entanto, o relatório contém muitas contradições e espelha disputas dentro do Banco Mundial e deste com os governos poderosos. Além disso, não analisa adequadamente pontos de vista alternativos. Por exemplo, na seção sobre liberalização comercial, discussões vitais são deixadas em notas de rodapé, ao mesmo tempo que as perspectivas neoliberais de praxe dominam o texto, com base em frágil evidência.

ISTOÉ – Quais “discussões vitais” foram transferidas aos rodapés?
Wilks – A primeira versão, divulgada em janeiro, dizia que “os custos dos ajustes das reformas para o livre-comércio são bancados exclusivamente pelos pobres”. Na versão final, a frase ficou no rodapé, com a seguinte observação: “Há alguma divergência, entretanto, nas evidências do impacto distributivo da liberalização do comércio externo.” Um importante argumento no relatório é que as reformas de mercado – abertura ao comércio internacional, baixa inflação, privatização – valeram à pena porque resultaram em maior crescimento econômico. E que ricos e pobres são igualmente beneficiados por esse crescimento. Mas não há tabelas e gráficos para ilustrar esse último argumento.

ISTOÉ – Por que a primeira versão foi censurada?
Wilks – O principal autor do relatório, Ravi Kanbur, demitiu-se depois de fazer grande esforço em abrir uma primeira versão para discussão externa. Ele tentou comparar e balancear as diferentes perspectivas. A maneira como o relatório foi escrito no final revelou a continuidade do poder dos macroeconomistas ortodoxos no Banco Mundial e o poder de governos centrais como os EUA sobre o banco. Contribuímos com sugestões, pesquisas e idéias. A maior parte não foi incluída.

ISTOÉ – Quem especificamente censurou a primeira versão?
Wilks – Tenho informações confiáveis que executivos da alta cúpula do Tesouro americano fizeram fortes recomendações tanto direta quanto indiretamente. A maioria dos relatórios do Banco Mundial é filtrada de alguma forma, especialmente quando se trata dos mais importantes. O que explica por que a intenção do órgão de se tornar mais e mais um “banco de conhecimento” é motivo de preocupação.

ISTOÉ – Os países ricos – especialmente os EUA – controlam o Banco Mundial e o FMI?
Wilks – Certamente são muito poderosos. Os membros dos cinco países que mais contribuem financeiramente podem controlar o resultado das decisões do Conselho e derrotar os outros 19 membros, que representam todos os países do mundo restantes.

ISTOÉ – Quais as consequências para a população mundial se quem dá mais dinheiro detém o controle?
Wilks – Este é um problema prioritário e traz à tona a questão se o dinheiro do Banco Mundial deveria ser considerado “ajuda”. Tanto as publicações da instituição como medidas recomendadas para países específicos têm sido criticadas por refletir mais uma ideologia do que uma preocupação em resolver as questões relativas à pobreza. Desigualdade de renda e acesso a serviços essenciais como saúde e educação vão continuar a ser um grande problema se as políticas neoliberais continuarem a ser seguidas.

ISTOÉ – Ravi Kanbur e Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, são minoria na instituição?
Wilks – Tanto Kanbur como Stiglitz saíram, no ano passado, de postos-chave em publicações do Banco Mundial. Isso mostra que essas pessoas, respeitados economistas acadêmicos e não ativistas radicais, sentem que não há abertura para livre debate e opiniões amplas na organização. Mas ainda há gente aberta a novas idéias.

ISTOÉ – O que podemos esperar agora que os dois pediram demissão?
Wilks – Aparentemente, há um recuo no Banco em medidas transparentes como colocar rascunhos de relatórios na web. O novo economista-chefe, Nick Stern, terá de mostrar se está preparado para enfrentar os economistas ultraconservadores do Banco.

ISTOÉ – De onde mais virá a força para mudar a visão ortodoxa do Banco Mundial, das ONGs?
Wilks – Esse debate está acontecendo e tem de continuar. Os protestos em Praga iluminam problemas com as instituições e a ordem mundial existente. No entanto, muitos dos protestos anteriores têm sido pouco claros com relação ao que propõem.

ISTOÉ – Há alternativas ao FMI e Banco Mundial?
Wilks – Acho que precisamos de instituições globais, mas elas devem ser mais facilitadoras do que executoras. Uma nova conferência de Bretton Woods, como muitos estão pedindo, poderia analisar opções como o imposto Tobin contra a especulação monetária, avaliar arranjos econômicos locais e regionais e estabelecer direitos e responsabilidades dos países ricos e dos países pobres.