13/09/2000 - 10:00
Fotos: Divulgação |
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Monicelli: perturbações do espírito no seminário |
Era um dia “frio e triste como um remorso” quando Andrea, jovem italiano desencantado com o mundo, juntou seus pertences numa maleta e, sem que a família percebesse, chamou um táxi pelo telefone. Antes de partir, fumou o último cigarro da juventude. Seu destino não era usual entre rapazes de sua idade. Decidira tornar-se um noviço na rígida Companhia de Jesus, cenário que permeia o curto mas denso romance Lágrimas impuras (Companhia das Letras, 136 págs., R$ 21,50), do escritor romano Furio Monicelli. Relançado na Itália no ano passado, o livro publicado em 1960 sob o título de O jesuíta perfeito marcou a estréia do autor de só mais uma obra, Os jardins secretos (1961), desistindo, aos 37 anos, da carreira literária.
Decisão parecida com a do personagem Andrea já havia mudado o curso da vida de Monicelli, que também abandonara no passado a mesma Companhia de Jesus, abrigo onde se refugiou depois do suicídio do pai. Mas se Lágrimas impuras traz algo de autobiográfico, é aconselhável não procurar o alterego de Monicelli no conflituado Andrea, que, mesmo sem ter certeza de sua fé, seguiu adiante no propósito de se tornar um soldado de Cristo. Pelo estilo corajoso com que enfrenta o tema da dúvida religiosa, o autor provavelmente se esconde é no personagem de Zanna, espírito livre, incapaz de aceitar a dura disciplina do claustro.
Em meio aos dois “irmãos” insinua-se a figura de Ludovico, símbolo da “beleza terrena e seu perigoso mistério”, por quem Andrea nutre um amor platônico. Com uma narrativa que evoca silêncios e perturbações do espírito, Lágrimas impuras é um passeio pela condição humana, guiado por um escritor a léguas da costumeira afetação. Sua trajetória posterior registra, entre outras, as ocupações de marinheiro e professor de Italiano, atividade na qual Furio Monicelli certamente deveria dar um show pela maestria com que doma as palavras.