13/09/2000 - 10:00
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Madonna, faz gênero country |
Vestida, não para matar, como fazia antigamente, mas como se estivesse indo a um clube country, Madonna aparece em pose lânguida na capa do encarte de seu mais recente álbum, Music. Com a carinha igual à de qualquer candidata a namoradinha da América, exibe seus olhos claros emoldurados pelo cabelos longos e tingidos na mesma cor da palha sobre a qual, em outra foto, deita seu corpo de 41 anos, absolutamente em forma. Diante da produção rural dá para imaginar que a ex-virgem de mentira, ex-falsa pornô star e ex-zen embevecida pela maternidade tivesse mudado completamente o rumo musical e comportamental em direção às chatices caipiras. Nada disso. Em 18 anos de carreira, Madonna está mais eletrônica do que nunca e, para felicidade geral de seus fãs e voyeurs, nos videoclipes voltou a ser a persona sacana de sempre. “Por ter vivido até recentemente uma vida doméstica bastante discreta, há um lado meu que, às vezes, se sente como um animal pronto a pular da jaula”, diz ela.
Madonna não é nem um pouco boba. Sabe que, se não for pelas qualidades de seu trabalho, de qualquer jeito precisa estar na mídia. E neste sentido é mestra. No clipe da deliciosa canção que dá título ao disco, por exemplo, apesar de ter filmado disfarçando a gravidez de seu filho Rocco, nascido em 11 de agosto passado, mostra toda sua sensualidade dentro de uma limusine dourada. Misturando cenas eróticas num cassino com desenho animado no qual ela enche de porradas um bando de pit boys, a cantora não se faz de rogada. Morde o bumbum de uma das modelos, bebe taças e taças de champanhe e sugere uma orgia. Só com mulheres. É a Madonna em velho estilo. No som, contudo, a performer não quis ultrapassar a barreira das ousadias que já vinha cometendo. Uniu-se novamente ao produtor inglês William Orbit – darling do som digital, que recentemente realizou uma aventura eletroerudita no CD Pieces in a modern style – e, pelo menos em conceito, repetiu a fórmula de Ray of light, seu disco anterior, de 1998. Ou seja, tecno e baladas idem, agora numa embalagem modernosíssima, com todos os recursos, timbres e toques que a tecnologia atual pode criar dentro dos parâmetros de vendagem. Para fechar seu ciclo de intenções, também recrutou o franco-afegão Mirwais Ahmadzaï, o novo bruxo da música eletrônica, que também participou da maioria das composições.
Vigor das pistas – O lançamento mundial de Music – seu 10º álbum de estúdio, sem contar as trilhas sonoras e compilações – será na terça-feira 19. Para usar o jargão de quem trabalha na indústria fonográfica, é um “produto” que sempre causa expectativa. Mas, tolamente, a gravadora Warner Music cercou o evento de segredos desnecessários, pois, há pelo menos um mês, o álbum pode ser ouvido na web, seguindo aquele divertido e trabalhoso sistema de pirataria que tem deixado os executivos da área de cabelo em pé. No geral, apesar de toda a robótica massa sonora, Music não soa como um bate-estaca qualquer para ser consumido e curtido apenas nos clubes noturnos. É menos radical e mais melodioso. Dentro da linha evolutiva da cantora, dispensa a densidade de Ray of light e traz muito do vigor das pistas em quase metade do CD. E, mesmo dentro do conceito absolutamente eletrônico, há guitarras e bateria dando peso e intensidade à frigidez das máquinas como na balançada Amazing ou na hiperdançante Runaway lover. A música-título, que mistura o eletrofunk dos temperos de Prince e Michael Jackson, deve fazer a festa dos DJs.
Em várias faixas, Orbit e Ahmadzaï processaram a voz de Madonna – que paulatinamente vem se esmerando como cantora – e acrescentaram um charme déjà vu chamado vocoder, ou sintetizador vocal. Para compensar, trouxeram mais cor às canções, entre elas Impressive instant, que usa todas as regras do gênero sem, contudo, cair no óbvio. Numa das estrofes, o vocal irreconhecível de Madonna diz gostar de “rhumba” (sic) e de dançar um “samba”. Seria uma boa oportunidade para os produtores terem digitalizado alguma batucada brasileira, mas aí seria pedir demais. Music, porém, não é apenas alegria. Gone, uma balada de sabor acústico e a melhor de todas as três do disco, tem um tom de tristeza, às vezes interrompido pela missão de ser eletrônica. I deserve it é confessional. Comentam que ela a compôs para o pai de Rocco, o cineasta inglês Guy Ritchie, com quem a intérprete de Papa don’t preach pretende se casar no final do ano. Na pele de camaleoa pop, Madonna ainda encarna uma Jane Birkin eletrificada, sem os gemidos eróticos do hit sessentista Je t’aime, moi non plus, na sussurrada Paradise (not for me), em que arrisca alguns versos em francês. Embora não aponte novos caminhos, Music não se acomoda na onda tecno. Ao contrário, traz a adrenalina do som eletrônico e inventa uma trilha romântica até para robôs.