13/09/2000 - 10:00
Esqueça o arqueiro com uma flecha incendiária, acendendo a pira olímpica em Barcelona, na abertura dos Jogos de 1992. Deixe de lado a imagem comovente de Mohammed Ali, quatro anos depois, nos Jogos de Atlanta, dominado pelo mal de Parkinson, induzindo o fogo olímpico a subir por um cabo de aço até o alto do estádio. Os australianos, ao final da emocionante e bem organizada cerimônia de abertura das Olimpíadas de Sydney, na noite de sexta-feira 15, foram arrojados a ponto de fazer a pira brotar de dentro d’água e escalar, acesa, uma cascata até o ponto mais alto do Olympic Stadium. A cena fez as 120 mil pessoas presentes ao estádio – e as centenas de milhões de pessoas que assistiram à cerimônia pela tevê – abrirem a boca de espanto. A subida da pira coroou uma festa em que os australianos abusaram da criatividade e do uso de recursos tecnológicos para recontar a história do país com os aborígines, habitantes originais da ilha, no papel principal. Ainda não inventaram uma festa com mais de uma hora de duração que agrade a todos o tempo todo, sem bocejos ou períodos de chatice explícita. A abertura de Sydney durou exatas quatro horas e 16 minutos e não escapou por completo dessa sina. Mas a multidão sorridente e comportada, que pagou entre 105 e 1.382 dólares australianos (R$ 122 a R$ 1.617) por um ingresso, voltou para casa com momentos inesquecíveis na memória.
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Ao som de Aquarela do Brasil, delegação desfila com gritos e saudações |
Aula de história – Às sete da noite, (5h de Brasília), foi disparada a contagem regressiva de dez segundos nos quatro imensos telões nos cantos do estádio, para delírio geral. O dono da Microsoft, Bill Gates, e Chelsea Clinton, filha do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, estavam lá. A história da Austrália, contada com soluções inventivas, foi o fio condutor para unir momentos que pagaram o ingresso com folga. No “zero”, 120 cavaleiros invadiram a galope a pista do estádio, entre eles Paul Hogan, o Crocodilo Dundee, simbolizando a epopéia de ocupação do continente no século XIX. A imaginação dos roteiristas correu solta. Através do sonho de uma menina de 13 anos, a cantora e atriz mirim Nikki Webster, o estádio foi tomado por peixes e criaturas marinhas gigantescas, que dançavam no ar. Nikki, suspensa por cabos de aço praticamente invisíveis, “flutuava” entre os bichos. “Não tive medo. Aproveitei e me diverti muito”, afirmou a adolescente, que guardou segredo dos pais sobre o verdadeiro papel que desempenharia. “Se contasse, não haveria surpresa.” Os australianos se reconciliaram com os aborígines. Foram apresentados cantos e danças rituais de pelo menos 30 etnias do país, que sobreviveram a pouco mais de 200 anos de ocupação branca. Outro momento marcante foi a Tin Symphony (Sinfonia de Lata), montada para ilustrar a colonização do país com a introdução das ferrovias. A área central do Olympic Stadium foi tomada por 967 figurantes com placas de metal, rodas de ferro recheadas de malabaristas e um imenso dragão metálico que cuspia fogo, simbolizando a visão nativa das locomotivas e seus vagões cortando a ilha.
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Cathy Freeman, primeira aborígine a ganhar uma medalha, acende a pira na água. Abaixo, a delegação japonesa |
Efeito – A beleza do efeito impressionou enquanto a Sydney 2000 Olympic Band, com seus dois mil instrumentistas de sopro e percussão de 20 países, inclusive do Brasil, executava clássicos como Carruagens de fogo, regida simultaneamente por oito maestros espalhados pelo estádio. Os nomes dos países das 200 delegações eram anunciados em ordem alfabética e a bandeira de cada um ocupava os telões por fugazes 40 segundos. Puxados por uma Sandra Pires tensa e orgulhosa, os brasileiros, elegantes em ternos e tailleurs amarelo-mostarda, entraram às 21h30, ao som de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Logo depois, trocaram a trilha sonora por uma coreografia acompanhada de um longo grito e uma saudação com o chapéu na mão. O maior impacto do desfile foi a passagem conjunta das delegações das Coréias do Norte e do Sul, inimigas desde a separação, em 1953. Entraram com a bandeira da paz olímpica, empunhada por dois atletas, um de cada país. O anúncio do desfile conjunto foi aplaudido e levou vários atletas dos dois países às lágrimas.
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Com meias verde-amarelas nas mãos, a platéia ensaiou uma coreografia para acompanhar o desfile de seus campeões australianos, que retribuíam jogando ao público cangurus de pelúcia, sacados de bolsa a tiracolo. As meias fizeram parte de um kit recebido pelo público que fez parte do show. O pacote trazia ainda uma pulseira vermelha com luzes e uma lanterna. Antes da cerimônia, os apresentadores orientaram o público sobre a maneira de usar os apetrechos. Os últimos portadores da tocha no estádio foram sete atletas australianas. Juntas, elas ganharam 15 medalhas douradas no atletismo e natação, três a mais do que todo o ouro ganho pelo Brasil na sua história olímpica. Cathy Freeman, medalha de prata nos 400 metros rasos em Atlanta e favorita para a prova em Sydney, acendeu a pira na água.
A festa foi linda. Mas a maioria dos brasileiros assistiu só à reprise pela tevê. Como Sydney e Brasília são separadas por 14 horas, aqui a cerimônia – e os jogos – acontecem de madrugada. Para acompanhar as Olimpíadas, é preciso trocar o dia pela noite. Na abertura, a Globo registrou sete pontos no Ibope. Se o Brasil for bem, as emissoras garantem que a audiência aumenta.