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Um velhinho democrata registrado, mas não militante do partido, estava assistindo à televisão numa noite chuvosa na cidade de Seattle há duas semanas. Um comercial preparado pelo Partido Republicano atacava o programa de saúde proposto pelo candidato democrata Al Gore em sua plataforma. Quando a fisionomia do candidato democrata foi mostrada, o espectador teve a impressão de ver a palavra “RATS” (ratos) aparecendo com a velocidade de um raio na tela. Curioso, o velhinho esperou nova exibição do anúncio eleitoral e o gravou. Repetiu então, em câmera lenta, o filme quadro a quadro. Descobriu que não só “Rats” estava escondida num dos fragmentos, mas também a expressão “Bureaucrats Decide” (burocratas decidem) – numa referência aos supostos reais autores do projeto de Gore. Caracterizava-se assim um dos mais clamorosos exemplos de propaganda subliminar jamais descobertos e, de quebra, um dos maiores tropeços no caminho do candidato George W. Bush rumo à Casa Branca. Para quem há 40 dias tinha dez pontos porcentuais de diferença nas pesquisas de preferência, um empate em meados de setembro aponta tendências perigosas para os republicanos. As últimas pesquisas apontam 47% de intenção de voto para cada concorrente.

O mês de setembro vem provando ser o inferno astral de Bush. Primeiro, na cidade de Naperville, no Estado de Illinois, durante comício no importante Dia do Trabalho (os americanos, ao contrário do resto do mundo, comemoram a data no primeiro domingo deste mês), o candidato republicano não percebeu que os microfones estavam ligados e falou para seu vice, Dick Cheney: “Lá está Adam Clymer, aquele grande asshole” (termo chulo). No que Cheney retruca: “É, ele é mesmo um grandecíssimo.” O referido asshole é um importante repórter do influente jornal The New York Times. O vitupério foi registrado pelos milhares de pessoas que o ouviram ao vivo e ecoou pelo país como mais um deslize de candidato cada vez mais propenso à queda livre.

Esperteza: Mensagem subliminar da propaganda republicana faz a palavra “ratos” surgir em meio à expressão “burocratas”

A história do xingamento veio exatamente quando raposas políticas do próprio Partido Republicano já resmungam pelos cantos suas dúvidas sobre a capacidade de seu candidato de vencer as eleições de 3 de novembro. Desde a convenção democrata que coroou Al Gore como seu candidato nesta corrida, os índices de popularidade do atual vice-presidente começaram a subir. Com a indicação de seu parceiro de chapa, o judeu ortodoxo Joe Lieberman – homem popular e percebido como religioso e honesto –, Gore passou a contemplar realisticamente, pela primeira vez, a possibilidade de vencer as eleições. Em várias pesquisas Gore está com intenção de voto de 6% a 10% a mais que Bush, embora uma pesquisa da revista Time com a emissora CNN aponte um empate de 47%. Enquanto o rival crescia, Bush se perdia ao tentar explicar sua plataforma de governo que vem sendo contestada ponto a ponto por especialistas em cada item. Com a revelação da propaganda subliminar, o beijo da morte dos eleitores parece estar cada vez mais próximo da face de Bush.

Diz a lenda que foi o próprio Joseph Goebbels, o pai da propaganda nazista, quem teria criado essa técnica de manipulação do cérebro alheio via mensagens escondidas em meio a filmes. Na verdade, ninguém sabe ao certo quem teve esta idéia maléfica. O certo é que em vários países a técnica é proibida. Nos Estados Unidos ela é considerada não apenas antiética nos meios publicitários, como também injusta e enganosa pela poderosa Comissão Federal de Comunicações. Não existe, porém, uma lei que a proíba nos EUA. A única lei que parece estar sendo aplicada em George Bush é a de Murphy (aquela segundo a qual quando algo pode dar errado, certamente dará errado). Os republicanos dizem que a inserção da palavra foi mero acidente e que qualquer outra interpretação do episódio não passa de paranóia conspiracionista comum à política americana. Ao tentar negar as más intenções em seu comercial, o candidato pronunciou repetidas vezes incorretamente a palavra “subliminar”. Os repórteres que o acompanham não perderam a oportunidade de acrescentar mais este escorregão gramatical na enorme lista de gafes linguísticas de Bush.

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Gore está em alta desde a realização da convenção democrata

“Cavalo de Tróia” – As desconfianças de que a tropa de Bush fez do jogo sujo sua tática preferencial tem causado momentos dos mais inusitados. Na quarta-feira 13 o deputado democrata Tom Downey, que vinha ajudando a preparar Gore para o debate entre candidatos, recebeu pelo correio material que mostrava todo o esquema de preparação de George Bush para o confronto. A remessa anônima continha fitas de vídeo e material gráfico. Desconfiado de que se tratava de um “cavalo de Tróia”, destinado a embaraçar o comitê democrata, o deputado Downey entregou o pacote ao FBI (a polícia federal americana). “Das duas uma: ou os ratos estão abandonando o navio de Bush ou esta era mais uma tática para confundir e comprometer a campanha de Al Gore”, disse a ISTOÉ o senador Charles Schumer.

“O que estamos testemunhando é o fim do jogo para George Bush”, garante o analista político Lawrence O’Donnell Jr., da revista New York. Ele chega a declarar a morte das pretensões republicanas. “No final da primeira semana de setembro, muita gente graúda do Partido Republicano já estava ventilando suas queixas no The New York Times. Isso é a operação-padrão do establishment partidário quando se imagina que uma candidatura está morta”, afirmou O’Donnell Jr. A análise faz sentido, mas ainda é cedo para que se decrete o fim do sonho de reconduzir a dinastia Bush à Casa Branca. Normalmente a chegada do outono é considerada como marco extra-oficial de uma tragédia eleitoral americana. “É melhor que todos estes problemas tenham ocorrido agora, do que em outubro”, garante o ex-senador republicano por Nova York, Al D’Amato, uma velha raposa política. “Bush pode ainda surpreender nos debates e tem muito tempo para reconduzir aos trilhos a sua campanha. Além do mais, um empate técnico nas pesquisas demonstra claramente que esta corrida será decidida pelo olho eletrônico”, acredita D’Amato.