Algo de estranho está acontecendo na música brasileira. Ou novos e antigos compositores estão em crise criativa ou cada um quer guardar suas próprias jóias, sem dividi-las com mais ninguém. Ney Matogrosso há tempos vem se dedicando a discos baseados em repertórios de intérpretes consagrados ou de um só compositor. Recentemente lançou o belo Batuque, apenas com canções dos anos 30 e 40. Agora, chegou a vez de Ná Ozzetti – cantora normalmente concentrada na busca do novo – vestir os elegantes figurinos das décadas de 30, 40 e 50 no seu quinto CD solo, sintomaticamente batizado de Show. Em 1996, ela já havia feito uma exceção gravando um álbum inteiramente voltado às composições de Rita Lee. Empreitada, diga-se, que com sensibilidade e criatividade jogou outros brilhos sobre o trabalho da roqueira.

Show é o resultado do prêmio que Ná ganhou como melhor intérprete do 1º Festival de Música Brasileira, da Rede Globo, no ano passado. Como foi sugestão da gravadora Som Livre fechar o repertório nos clássicos tupiniquins, a oportunidade só apressou seus planos. Há muito, ela queria fazer um disco de intérprete calcado na história sonora brasileira. E, com a elegância que sua voz confere, Ná deu novo viço a antigos sambas-canções na mais legítima linha dor-de-cotovelo. “Minha preocupação foi mapear o que teve de importante durante estes anos”, diz ela. Para chegar às 13 faixas – sem contar a música-título, com a qual arrebatou o prêmio –, a cantora demorou dois meses pesquisando um acervo de 200 gravações originais. Da triagem saíram, por exemplo, Meu mundo caiu, num arranjo abolerado, cheio de cordas, que acrescentaram um certo tom erudito ao ícone da tristeza composto por Maysa.

A elegância e a precisão dos arranjos, aliás, são outro ponto alto do disco. Ná, seu irmão Dante e Renato Leite, responsáveis pela produção musical, reuniram músicos de primeira. Em Mensagem, Toninho Ferragutti e acordeão deram o clima de tango que a letra passional requer, mas não ficava explícito na famosa gravação de Isaurinha Garcia. Chuvas de verão, que se pensava definitiva na voz de Caetano Veloso, privilegiou a dramaticidade e extrema beleza da letra, tendo como acompanhamento a suavidade das cordas de Kiko Moura e Swammi Jr., da percussão de Caito Marcondes e da flauta de Marta Ozzetti em sutil toque nostálgico. Um show de classe.