10/06/2000 - 10:00
Provavelmente não era esta a intenção do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas ele acaba de endossar uma tese da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Como resultado das declarações de FHC na França, incentivando empresários e trabalhadores brasileiros a discutir a redução da jornada de trabalho, adotada por lá desde o início do ano, o tema voltou a ser objeto de discussões acaloradas por aqui. Para a central sindical, foi um impulso a mais na campanha iniciada alguns dias antes de o presidente se manifestar. Os metalúrgicos da CUT, com o apoio da Força Sindical, reivindicam um corte de oito horas na jornada semanal, de 44 para 36 horas. E iniciaram uma série de manifestações, acampando por 36 horas em frente às federações estaduais da indústria em diversas cidades para pressionar os empresários. Primeiro em Porto Alegre e, na semana passada, em São Paulo. No Sul, também fizeram greve de fome para marcar o protesto. A CUT calcula, com base em estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que a redução da jornada criaria 1,3 milhão de empregos para a categoria.
A posição do governo em relação ao tema é clara: ainda que veja com bons olhos a jornada reduzida de trabalho, não irá propor nenhuma lei específica para tratar do assunto. “A situação das grandes empresas não é a mesma da das microempresas. Em alguns casos, a redução da carga horária poderá implicar o aumento da informalidade. Por esses motivos, a redução da jornada deverá resultar de negociações e não de uma mudança da legislação”, disse o ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, em uma nota divulgada alguns dias depois da fala do presidente.
A maior homogeneidade do mercado de trabalho francês, comparado ao brasileiro, foi o argumento usado pelo presidente, para justificar por que lá há uma lei criada especificamente para este fim. Na França, a mudança começa a dar bons resultados. Aqui, de acordo com o raciocínio do governo, o esquema não funcionaria. A lei proposta pela ministra francesa do Trabalho e da Solidariedade, Martine Aubry, reduziu a jornada de 39 horas semanais para 35 horas. Hoje 3,5 milhões de trabalhadores franceses, do total de 14 milhões da iniciativa privada, já trabalham quatro horas menos. O resultado foi a criação de 100 mil novos postos de trabalho, sem falar nos outros 275 mil postos gerados pelo crescimento da economia como um todo, com um crescimento médio do PIB de 3% ao ano desde que o governo de esquerda liderado pelo primeiro-ministro Lionel Jospin assumiu o poder, há três anos.
O principal argumento dos empresários brasileiros contra a redução da jornada é que ela significaria um aumento dos custos de produção. Os salários continuariam os mesmos e os trabalhadores produziriam menos. O resultado seria a redução da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, relativamente a outros países. “A maioria das empresas optaria pelo aumento das horas extras, não por novas contratações”, disse o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Piva, contrário à proposta. O economista Márcio Pochmann, da Unicamp, entretanto, lembra que o uso da hora extra tem crescido mesmo sem a redução da jornada de trabalho – dos anos 80 para os anos 90, aumentou 40%, calcula. “No Brasil, um controle sobre as horas extras teria um efeito talvez até mais importante do que a própria redução da jornada”, diz Pochmann, que também se diz favorável à redução para 36 horas. Mas o tema hora extra é quase um tabu entre os próprios sindicalistas, já que mexe diretamente no bolso de muitos trabalhadores. Heiguiberto Navarro, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, diz que é hora de o tema ser enfrentado. “A fábrica prefere a hora extra porque não precisa contratar e o metalúrgico também, porque ganha mais. O problema é o exagero. Alguns chegam a fazer até 120 horas extras por mês, o que é loucura”, diz ele. Como no caso da redução da jornada, a campanha contra o excesso de horas-extras carregará a mesma mensagem: é hora daqueles que estão empregados trabalharem menos para que mais pessoas possam trabalhar.