04/07/2001 - 10:00
"Me tocó perder” (coube a mim perder). Com essa frase resignada, o ex-chefe do serviço secreto e ex-homem forte do Peru, Vladimiro Montesinos, 56 anos, se entregou ao seu antigo colega de escola e desafeto, o ministro do Interior, general Antonio Ketín Vidal. Cerca de 15 quilos mais magro, ele não fez cirurgia plástica para se esconder, como se acreditava. Montesinos estava foragido há oito meses, desde que foi divulgado um vídeo em que ele aparecia subornando um deputado da oposição com US$ 15 mil. O escândalo virou uma bola de neve e acabou provocando a queda, em novembro, do então presidente Alberto Fujimori, que se asilou no Japão depois de governar o Peru por dez anos (1990-2000) com mão-de-ferro. Montesinos foi preso no sábado 23 em Caracas, na Venezuela, pela Direção de Inteligência Militar (DIM) daquele país e imediatamente deportado para o Peru, onde chegou na segunda-feira 25. A admissão da derrota, no entanto, não tem nada de original. A frase proferida por Montesinos já fora dita em 1992 ao mesmo general Ketín por Abimael Guzmán, líder e fundador do grupo terrorista Sendero Luminoso, quando ele foi preso num bairro de Lima (capital). Outra ironia é o fato de que o ex-homem forte do Peru deverá ficar detido na prisão de segurança máxima da base naval de Callao, nas proximidades de Lima. Lá, em celas individuais, estão o próprio Abimael Guzmán e o ex-líder do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), Víctor Polay. A construção dessas prisões foi determinada por Montesinos.
Ajuda do FBI – Mas a captura do “Rasputin dos Andes” – pela qual o governo peruano chegou a oferecer US$ 5 milhões de recompensa – só foi possível graças à colaboração do FBI (Polícia Federal dos EUA), já que havia suspeitas de que o governo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, dava cobertura a Montesinos. De fato, o peruano tinha ligações com militares chavistas desde 1992, quando 93 oficiais do Exército que tentaram dar um golpe na Venezuela se asilaram no Peru sob proteção do então braço direito de Fujimori. Na prisão, Montesinos afirmou, inclusive, que tomou um café da manhã com Chávez antes de ser entregue às autoridades peruanas.
Filho de militantes de esquerda, Vladimiro Lenine Montesinos é considerado o homem mais corrupto e a eminência parda que mais poder acumulou na turbulenta história do Peru. Dono de uma fortuna de pelo menos US$ 264 milhões, depositados em vários países, ele vai responder a 52 processos, acusado de tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro, fraude tributária, enriquecimento ilícito e de organizar esquadrões da morte. Sua rede de corrupção e influência montada em dez anos é tão grande que as autoridades temem que sua vida corra risco por causa dos estragos que suas revelações poderão provocar na elite política peruana. “Eu não ficaria surpreso se alguns militares, civis, empresários e políticos ligados a Montesinos começassem a deixar o país antes mesmo de ele começar a falar”, disse o analista militar Alfonso Panizo.
Nascido em 20 de maio de 1945 em Arequipa, Montesinos entrou para o Exército, onde chegou a capitão. Em 1977, ele foi expulso com desonra e ficou um ano preso, acusado de traição por ter passado informações à CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) sobre compra de armas soviéticas pelo governo peruano de então, dominado por militares nacionalistas. Formado em Direito, se especializou em defender, como advogado, famosos narcotraficantes peruanos e colombianos. Em 1990, Montesinos livrou o então candidato presidencial Alberto Fujimori de um problema de evasão fiscal e foi nomeado assessor de segurança do novo governo. Começou então a montar o Serviço de Inteligência Nacional (SIN), aparelho repressivo através do qual ele assumiu o controle do Estado. Reestruturou toda a cúpula das Forças Armadas, colocando no Alto Comando militares fiéis, muitos deles colegas de turma. Depois do autogolpe de Fujimori em 1992, o SIN teve as mãos livres para articular a destruição dos temíveis grupos terroristas peruanos Sendero Luminoso e Tupac Amaru.
Com Deus e o diabo – Maquiavélico, Montesinos montava grupos de extermínio para eliminar esquerdistas, mas também contrabandeava armas para a guerrilha comunista colombiana. Com uma mão ele criou, com o apoio da CIA, uma unidade antidrogas que seria responsável pela drástica redução da plantação de coca no Peru; com outra, ele cobrava propina dos traficantes em troca de proteção. Segundo o jornal The Washington Post, a lista de “amigos” de Montesinos incluía desde agentes da CIA, embaixadores americanos e chefões da máfia russa até generais esquerdistas da Venezuela, guerrilheiros colombianos e Raúl Castro, ministro da Defesa de Cuba. Manipulando uma rede de intrigas tão complexa, Montesinos ajudou a promover uma gigantesca fraude nas penúltimas eleições presidenciais, em maio, que deram a Fujimori seu terceiro mandato. Um simples vídeo o desmascarou e na queda ele acabou arrastando seu chefe, o presidente. Agora, Montesinos joga seu último trunfo: a chantagem. Afinal, o SIN espionava a vida privada de pessoas influentes como políticos, militares, magistrados, jornalistas e empresários. Ele também gravou cerca de 2.400 vídeos, conhecidos como “vladivídeos”, para registrar os figurões que subornou. Montesinos se diz disposto a “colaborar” com a Justiça peruana. Vai ser um Deus nos acuda.