Especialistas no funcionamento do cérebro já suspeitavam que áreas sadias do órgão podiam assumir, desde que devidamente estimuladas, funções que eram exercidas por regiões que sofreram traumas. Agora, uma pesquisa feita pela Rede Sarah de Hospitais, em Brasília, comprova a tese. A constatação, que abre caminho para a recuperação de crianças e adultos com lesões cerebrais, será apresentada na próxima semana pela neuropsicóloga Lúcia Willadino Braga, diretora-executiva da Rede Sarah, durante o XXIV Congresso da Sociedade Internacional de Neuropsicologia, em Brasília. Para chegar a essa conclusão, Lúcia e sua equipe precisaram de um ano de estudos. Primeiro, os pesquisadores fizeram um mapeamento cerebral, por meio de ressonância magnética, em 30 crianças sadias de sete a 12 anos de idade. Durante o exame, elas cumpriram tarefas como fazer contas, estabelecer comparações e recordar fatos. Todas monitoradas. Depois, foram determinadas as áreas exatas onde cada função mental se processou. A partir daí, elaborou-se no computador um modelo de funcionamento do cérebro.

O passo seguinte foi examinar 12 crianças da mesma idade, com lesões cerebrais distintas. Elas também se submeteram à ressonância magnética. Os exames desses pacientes foram confrontados com o retrato computadorizado (em 3D) dos cérebros do primeiro grupo. A comparação mostrou que os neurônios das regiões vizinhas à área lesionada dos pequenos pacientes estão “aprendendo” a desempenhar as tarefas. “Comprovamos que, com os estímulos adequados – operações algébricas, por exemplo –, o cérebro começa a buscar caminhos diferentes para executar atividades que pertenciam às partes atingidas”, afirma Lúcia. A explicação para esse fato está na capacidade que os neurônios têm de se moldar a novas tarefas, o que os médicos chamam de plasticidade neuronial.

As 12 crianças continuam em tratamento. Mas os primeiros resultados da pesquisa são animadores. Lúcia recorda que a maior dificuldade, no começo do estudo, foi fazer com que os pacientes permanecessem quietos dentro do equipamento de ressonância magnética. A solução: óculos de realidade virtual, onde eram exibidos filmes e desenhos animados em 3D. Durante intervalos, era feita a checagem das atividades cerebrais. “Já pensou manter uma criança sem se mexer dentro de um tubo desses?”, comenta a diretora do Rede Sarah. O sistema funcionou tão bem que, muitas vezes, os pequenos pediam para ficar no aparelho até que o filme acabasse.