A idéia de que a alta do dólar se deveu aos desdobramentos das crises na Argentina – ou das trapalhadas de Brasília e suas repercussões sobre as próximas eleições – é uma meia-verdade. Acontecimentos como esses agitam o mercado, aceleram altas e geram flutuações de curto prazo, mas não explicam a maior parte da desvalorização do real – apesar de o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, insistir que há só “uma certa ansiedade, que temos certeza que vai passar”.

De setembro para cá, a avaliação pelo mercado do risco do Brasil e da Argentina – medida através da diferença entre as taxas de juros exigidas por títulos desses países e as cobradas pelos títulos americanos – teve uma série de altos e baixos que se refletiram em picos e vales da trajetória da taxa de câmbio. Descontando tudo isso, porém, ainda sobra uma tendência de alta persistente. Enquanto as taxas de risco subiram e desceram, mas até agora se mantiveram relativamente sob controle, a taxa de câmbio subiu sem parar. A conclusão é clara: a alta da moeda americana não resulta de mera especulação, mas de um desequilíbrio real entre oferta e procura de dólares no mercado brasileiro – o risco de “apagão cambial”, apontado pelo empresário Eugênio Staub na entrevista de ISTOÉ da semana passada.

Mesmo supondo que a dívida externa seja rolada sem dificuldade – isto é, que se possa renovar o principal de empréstimos de US$ 38 bilhões que estão vencendo –, ainda são necessários US$ 27,7 bilhões em 2001 para cobrir o saldo negativo das operações comerciais e financeiras, ou déficit corrente. São US$ 2,3 bilhões por mês, sendo 73% desse valor gerado por remessas de juros e lucros ao Exterior. Em março, o déficit foi de US$ 2,6 bilhões; em abril, de US$ 2,4 bilhões.

Até o final do ano passado, esse déficit foi coberto por investimento externo direto. De 1998 a 2000, parte desses investimentos (25% a 30%) foi o ingresso de dólares para a criação ou ampliação de empresas de capital estrangeiro. Mas os componentes mais importantes foram a compra, por estrangeiros, de estatais (25%a 30%) e de empresas privadas nacionais (40% a 50%). Em média, esse investimento atingiu US$ 2,2 bilhões mensais em 1998 e 1999 e US$ 2,5 bilhões mensais em 2000. Como o déficit corrente de 1999 e 2000 foi de US$ 2 bilhões mensais, a folga permitiu que o câmbio ficasse relativamente estável até setembro do ano passado.

Esse fluxo, porém, resolveu o curto prazo ao custo de piorar o longo: aumentaram a remessa de lucros e juros e as importações de equipamentos e não foram geradas exportações significativas – os investimentos, mesmo quando criaram ativos reais e não se limitaram a comprar os já existentes, foram na maior parte destinados a setores de serviços ou a indústrias voltadas principalmente para o mercado interno, como as de eletrodomésticos e veículos.
 

E agora, ao que parece, a fonte começou a secar. As grandes privatizações praticamente terminaram, exceto pelas grandes geradoras de energia elétrica, cuja venda, já difícil, foi praticamente inviabilizada pela crise do racionamento. E, nos primeiros cinco meses deste ano, os demais investimentos diretos externos também ficaram 20% abaixo da média de 2000. A média foi de US$ 1,7 bilhão por mês e a previsão oficial do Banco Central é de US$ 1,5 bilhão mensais no resto do ano, acumulando um total de US$ 20 bilhões. Mas parece muito provável que os adiamentos de investimentos devido ao racionamento reduzam esse número. Estimativas de analistas privados variam de US$ 17 bilhões a US$ 18 bilhões para todo o ano de 2001, o que significa uma entrada média de US$ 1,1 bilhão a US$ 1,3 bilhão mensais, de junho a dezembro.

Supondo que a rolagem da dívida externa corra bem, ainda resta, em relação ao déficit corrente, um buraco de US$ 800 milhões a US$ 1,2 bilhão todos os meses. Colocar títulos cambiais no mercado pode conter meros picos especulativos, mas tentar tapar um tal rombo dessa maneira aumenta perigosamente a dívida pública e a exposição das contas públicas ao risco cambial .

Em 20 de junho, o Banco Central elevou de 16,25% para 18,75% a taxa de juros básica e no dia seguinte anunciou a intenção de reduzir em US$ 100 milhões por mês suas compras de dólares no mercado e captar mais US$ 10,8 bilhões, sendo US$ 4,6 bilhões de organismos internacionais (incluindo o adiamento do pagamento de US$ 1,8 bilhão da dívida já existente com o FMI), US$ 1,4 bilhão do novo lançamento de títulos de dívida, US$ 3,45 bilhões da venda de ações (privatização parcial) da Embraer, Petrobras, Vale do Rio Doce e BNDES e US$ 350 milhões da venda (privatização total) da Sasse Seguros (seguradora da Caixa Econômica Federal). Desses novos recursos, US$ 4,6 bilhões seriam destinados ao mercado e o restante às reservas internacionais.

Essencialmente, isso é tentar pôr vendas de participações minoritárias no lugar das privatizações e aumento da dívida externa no lugar dos investimentos estrangeiros diretos que estão faltando. O aumento da taxa de juros tem um efeito mais acessório e imediato, visando desviar para os títulos públicos recursos que têm sido aplicados em dólar e, talvez, diminuir um pouco as importações.

Se tudo correr como o BC pretende, os recursos captados cobrirão o déficit corrente deste ano, mas à custa de novamente piorar o quadro para os próximos anos, pois o aumento da dívida externa e a venda de capital de empresas estatais para estrangeiros aumentarão ainda mais as remessas ao Exterior. Junto com o aumento da dívida interna e a prevista emissão de R$ 80 bilhões em títulos públicos para socorrer o Banco do Brasil e a CEF, a dívida pública também vai subir muitos outros degraus.

Mais uma vez, vai servir apenas para ganhar tempo. A longo prazo, o desequilíbrio estrutural continuará pressionando o dólar, mesmo que a Argentina acalme seus credores, que não se descubram novos fatos comprometedores para os partidos do governo e que os partidos de oposição jurem solenemente aos mercados que vão se portar bem quando chegarem ao poder.