A “Estória” poderia ter morrido em 1971, quando a última reforma gramatical da língua portuguesa determinou que o termo não mais designaria a narrativa ficcional. A ordem passou a ser que a grafia “história” fosse empregada tanto para ciência histórica quanto para a ficção. Mas os Contadores de Estórias, grupo de teatro de bonecos que comemorou 30 anos de vida na semana passada, preferem continuar com a grafia antiga. Certos eles. Nesse caso, o “E” é muito mais do que mero saudosismo ou recurso estilístico. É a inicial de uma história que inevitavelmente começa com: Era uma vez…

O mineiro Marcos Ribas e a carioca Rachel Joffily se conheceram em Brasília durante os anos 60. Ela era apaixonada por artes plásticas e ele, fã de cinema, teatro e dança. Começaram a namorar e, em 1970, mudaram-se para Nova York para transformar essas paixões em estudo aprofundado. O resultado do investimento gerou frutos já no ano seguinte, quando o casal pariu seus primeiros bonecos de madeira e montou o grupo Contadores de Estórias. “Saíamos fazendo apresentações pelos parques da cidade e contando histórias para as crianças por meio da manipulação dos bonecos”, recorda Rachel. O que poderia ter sido empolgação de jovens mochileiros transformou-se num projeto consistente, tanto que há 30 anos emociona crianças e adultos.

O mais recente trabalho da trupe estreou na sexta-feira 22, em Paraty, Rio de Janeiro, onde o casal vive desde 1981, em comemoração aos 30 anos do grupo. Em cartaz na cidade às quintas e sábados até o final do mês de julho, o espetáculo Descaminhos é um bom pretexto para uma visita à histórica Paraty. Ribas passou três anos pesquisando o “caminho do ouro”, estrada de pedras que ligava o interior de Minas Gerais ao porto de Paraty, por onde a coroa portuguesa escoava o ouro brasileiro. Além de espetáculo, o estudo virou um livro homônimo, editado pela Estação Liberdade e à venda nas grandes livrarias por R$14. Os protagonistas da encenação são seis bonecos com 30 cm de altura, feitos de pano, madeira, e muita poesia. Há um casal de índios guaianás do século XVII, um de brancos portugueses do século XVIII e outro de escravos negros do século XIX – figuras fictícias, mas, ao mesmo tempo, comuns aos caminhos do ouro em diferentes fases da história.

Quem quiser conferir o espetáculo deve fazer reserva antecipada no site www.caminhodoouro.com.br. e aproveitar para garantir um ingresso para o Em concerto, outro trabalho dos Contadores, que há cinco anos está em cartaz na cidade. “A diversão é garantida. Também fazemos um passeio histórico pelo caminho do ouro”, antecipa Mário Ribas, diretor dos dois espetáculos. O melhor de tudo é que além da intensa programação cultural noturna ainda dá para dar um pulinho no mar. Não foi à toa que Ribas e Rachel trocaram o sucesso e a loucura de Nova York pela difícil missão de fazer teatro no litoral brasileiro.