Sem saber para onde ir nem o que fazer, o parisiense Manu Chao – filho de espanhóis exilados na França e ex-líder do extinto grupo Mano Negra – se afogava em xícaras de café num boteco, em pleno centro do Rio de Janeiro, quando, de repente, virou a cabeça e deu de cara com uma vaca que imediatamente o mirou nos olhos. Manu Chao jura por todos os cigarros artesanais que, nos dias seguintes, passou a cruzar sucessivamente com outras vacas. De alguma forma, relembra ele, o animal parecia estar lhe mostrando um caminho. Foram dois anos no Brasil. “Sempre guiado pelas vacas”, diverte-se. Não à toa, ele batizou de La vacaloca uma das 17 faixas de seu segundo álbum solo …proxima estación… esperanza. Um disco dançante, bem-humorado e politizado sem ser panfletário, no qual o cantor e compositor defende seu discurso musical misturando línguas e sotaques.

Tem inglês, francês, espanhol e – numa suprema condescendência – português. É quando ele entoa a letra de Bixo como se fosse um Bob Marley dos morros cariocas, um galego afrancesado atraído pelas cruéis e fascinantes diferenças do Brasil. Com tamanha autenticidade e calor, ao longo do disco Chao vai emendando sem respiração situações e ritmos como se fossem uma só enorme canção, diversificando e pulverizando alegria sob um chapéu que ele chama de “patchanka”, termo inventado para definir o estilo colcha de retalhos calcado na cultura musical de vários países, a maioria do Terceiro Mundo. La primavera costurada a Me gustas tu são o melhor exemplo desta festa sonora. Militante da liberação das drogas e simpatizante das causas dos desafortunados – em 2000 cantou para os sem-terra no interior do Ceará –, Chao viu na América do Sul o cerne da fé e do desespero. Entende-se por que a próxima estação é esperança.