27/06/2001 - 10:00
Foi-se o tempo de as crianças acreditarem que a beleza insossa da chata da Branca de Neve era mais flamejante que a da sensual Rainha Má. Aquele desenho arredondado e de colorido intenso das produções da Disney também ficou no passado. Agora, para competir com a inimaginável crueldade contida nas aventuras dos videogames, o cinema está se apoiando em personagens mais humanos, com desvios de personalidade e donos de uma ganância capaz de fazer a bruxa de A bela adormecida se sentir uma meiga das manhãs televisivas. O mais recente exemplo desse tipo de diversão chama-se Atlantis – o reino perdido (Atlantis: the lost empire, Estados Unidos, 2001), desenho animado dos estúdios Disney com estréia nacional na sexta-feira 29. Além da nova maneira de desenvolver um enredo e da insuperável tecnologia americana, que com seus mares de computadores e profissionais do primeiro time cria fantasias fabulosas, Atlantis tem o condão de revolver uma história até hoje perene na imaginação das pessoas.
Qual criança ou adulto de bem com a vida não se interessa pelo mito do continente perdido de Atlântida, que teria existido há milhares de anos? Fala-se que a primeira menção ao reino lendário foi encontrada nos diálogos de Platão, há 2.400 anos. Variadas versões, todas com grandes elementos fantasiosos, contam que a vastíssima ilha existiu há mais de 11 mil anos. Estava localizada no Oceano Atlântico e era habitada por uma raça avançada e poderosa. Com o crescimento da ambição e do poder, ganhou o castigo dos deuses e foi tragada por um maremoto devastador. Alguns dizem que foi uma erupção vulcânica. Contendo tantos elementos de atração, a saga da mítica civilização já rendeu dois filmes e agora o desenho com enredo que se desenrola a partir de 1914.
Milo James Thatch – na versão original dublado por Michael J. Fox – é um cartógrafo e linguista, empregado de um museu de Washington num setor totalmente avesso às suas áreas de especialização. Sua fascinação pelo tema faz sentido. Seu avô, Thaddeus Thatch, antes de morrer lhe falou sobre o misterioso Diário do pastor, um livro secular no qual poderiam estar descritas as pistas para a descoberta do continente. Óbvio, ninguém lhe dá atenção. Igualzinho ao que faziam com o velho Thatch, que chamavam de louco. Boa praça, índole boa, Milo é um nerd à moda antiga. Solitário, nem pensa noutra diversão a não ser especializar-se na escrita e na fala atlante e planejar um meio mais empírico de chegar ao seu objetivo. Até que um bilionário excêntrico o convoca para uma missão secreta. Aí começam as referências e boas tiradas de um desenho que também faz a maravilha dos adultos. Ao ser conduzido à mansão de Preston B. Whitmore pela decidida, linda e loura musculosa Helga Sinclair no meio de uma tempestade, logo ouve como aviso: “Cuidado para não respingar no Caravaggio”, diz ela. Helga foi dublada em português por Maitê Proença.
Lá chegando, estupefato, pega das mãos de Whitmore o tal Diário do pastor e ouve a sentença de que deve integrar a expedição em busca do continente perdido com um grupo de especialistas em explosivos, mecânica, medicina, etc, sob as ordens do durão comandante Rourke. Secretamente embarcam no submarino Ulisses. Seu desenho lembra o do Nautilus, de 20.000 léguas submarinas. A própria maneira de contar a história, aliás, tem um certo pique de Júlio Verne. E é aí que reside o maior encanto de Atlantis. Com a diferença de que agora é um desenho animado realizado por uma equipe na qual estrela o nome do artista e quadrinista Mike Mignola – responsável pela versão em quadrinhos do Drácula de Bram Stoker –, que rejuvenesceu o famoso estilo Disney fazendo uma fusão entre o clássico e o novo, batizado pelos profissionais do estúdio de Disnola. Da imaginação desta gente surgiu Leviatã, um crustáceo do tamanho de um arranha-céu, guardião da entrada de Atlântida, naves em forma de peixe-pedra, outrora usadas como transporte pelos mitológicos habitantes e várias paisagens paradisíacas.
Surrealismo – Depois de muitas peripécias, os integrantes da expedição finalmente chegam ao seu destino e conhecem a princesa Kida, no Brasil dublada por Camila Pitanga. Não só descobrem que a cidade é habitada, como ela se mantém viva pela energia de um poderoso cristal, fonte de tudo, inclusive de cura. Claro, a aventura vai dividir seus personagens entre os do bem e os do mal, com muita ação, efeitos e um visual misturando surrealismo à essência lisérgica. Ao final, seu pimpolho vai estar estarrecido de tanta emoção e você gratificado por ter se entretido com um desenho de alta qualidade.