23/05/2007 - 10:00
EQUILÍBRIO A atriz Maira Chasseraux: “Fico triste se não comer o que gosto, mas controlo a qualidade e a quantidade de comida”
Uma antiga charge do cartunista e escritor Miguel Paiva, reproduzida à exaustão, mostra o desolamento da personagem Radical Chic ao ouvir o médico dizer que ela deve cortar doces, carnes, ovo, pão, etc., para seguir uma dieta. Na última cena, a mulher estica os braços e solicita ao doutor: “Corte também os pulsos.” A idéia, que predominava até recentemente, era essa: a de que para manter a forma e ser saudável a pessoa era proibida de desfrutar os prazeres da vida. Hoje, a grande novidade em matéria de dieta é justamente o oposto: pode-se comer de tudo e continuar com boa saúde e o peso estável.
MANTEIGA POSSUI COLESTEROL. MARGARINA NÃO, MAS PODE TER GORDURA TRANS NA FÓRMULA. PREFIRA AS MENOS CONSISTENTES*
Até quem tem doenças graves, como as cardíacas, não precisa passar uma vida de privações. Basta observar a quantidade ingerida e escolher a melhor forma de preparar os alimentos. Daí a importância da nova tabela nutricional formulada pelo cardiologista Carlos Scherr e divulgada com exclusividade por ISTOÉ. “É a primeira vez que teremos uma tabela de acordo com a nossa realidade, avaliando produtos comprados em nossos supermercados ou vindos de animais criados aqui, levando em conta o preparo na cozinha brasileira”, diz ele.
O ÓLEO MAIS SAUDÁVEL É DE CANOLA, SEGUIDO PELOS DE SEMENTE DE GIRASSOL, DE SOJA E DE MILHO. NENHUM DELES CONTÉM COLESTEROL*
As pesquisas foram feitas para sua tese de doutorado Soluções Nutricionais para Diminuir o Risco Cardiovascular, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e que será lançada em livro no segundo semestre.Há diferenças gritantes em relação às tabelas de referência usadas no País, que trazem uma série de dados baseados em produtos com as características de outros países, o que cria distorções nos resultados.Constatou-se, por exemplo, que o leite desnatado brasileiro possui 50% menos colesterol que o desnatado americano. “Porque a vaca, nos Estados Unidos, é alimentada de forma diferente. Isso se reflete também nas carnes de gado”, explica Scherr.
Adotada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), outra tabela americana não contém um alimento tipicamente brasileiro, o queijo Minas. Sob o ponto de vista da concentração de gorduras saturadas e totais, por exemplo, as manteigas francesa, americana, argentina e brasileira são quatro produtos radicalmente diferentes. Muitos perguntam por que a francesa é mais saborosa. Elementar: ela tem mais gordura – e gordura é um dos elementos fundamentais na consolidação do sabor. O cardiologista realizou as medições de valores de seu estudo no Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas, São Paulo, com patrocínio do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), e também comparou as mudanças nos valores dependendo da forma com que a comida é feita – grelhada, frita, assada, etc.
JEITO BRASILEIRO O pesquisador Scherr considerou até o jeito de preparar alguns alimentos no estudo
Ao colocar tudo em pratos limpos, uma boa conclusão: “O ovo não precisa ser banido, a carne de porco não é uma vilã, nada é proibido. A alimentação legal equilibra cotas dos alimentos de que a pessoa mais gosta e busca o preparo mais adequado.” Para o clínico japonês Emílio Moriguchi, especialista em colesterol, os novos dados são “importantíssimos.” Com formação nos Estados Unidos e no Japão, Moriguchi, que mora há 12 anos em Porto Alegre (RS), diz que a obesidade virou pandemia e o avanço da doença no Brasil é alarmante. A última pesquisa divulgada pelo IBGE, no mês passado, constata que 40% dos brasileiros adultos estão acima do peso. No mundo, são dois bilhões, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – sendo que 400 milhões já viraram obesos. Dessa doença derivam outras, cardiovasculares, além de diabete e hipertensão. Todas graves.Para combater a obesidade, a melhor arma são hábitos saudáveis. Mas, segundo o médico, não adianta impor dietas que o paciente não suporte cumprir.“Não deve haver proibição. Só é preciso bom senso ao comer o que se gosta. No Sul, por exemplo, se come muito churrasco. Tudo bem. É só tirar o excesso de sal, não ingerir a carne tostada e não exagerar na quantidade”, diz Moriguchi.
NÃO HÁ GRANDE DIFERENÇA ENTRE OS LEITES DESNATADO E SEMIDESNATADO. E OS DOIS SÃO BEM MENOS AGRESSIVOS À SAÚDE DO QUE O INTEGRAL*
Atividade física e boa alimentação continuam sendo a melhor receita. O que está mudando é a flexibilização e o conhecimento mais profundo da alimentação nativa. “Faço clínica há 35 anos e estou certo de que, se o paciente associar a dieta ao sacrifício, ele acaba boicotando”, atesta o professor de clínica médica da USP de Ribeirão Preto (SP) José Ernesto dos Santos. A frase de ordem, para ele, é: “Tem de comer com prazer.” E sugere: “Em vez de programar a alimentação de um dia é melhor pensar na da semana. Se você faz 14 refeições semanais, libere cinco ou seis para a carne vermelha e se valha nas restantes de carne branca.” Santos afirma que “o problema começou quando deixamos de ser brasileiros e passamos a ser americanos”. Ou seja, trocamos o feijão com arroz por sanduíches e o jantar por lanches, começamos a comer sentados na frente da televisão e conhecemos o fast-food. E engordamos.
A atriz paulista Maira Chasseraux, 28 anos, segue o modelo americano devido à correria de sua vida. De manhã, um cafezinho é o desjejum. Dependendo do ritmo de filmagens e ensaios teatrais, ela atravessa o dia com sucos e biscoitos. Refeição mesmo, só à noite. “Eu não faço dieta porque não comer o que gosto me deixa triste. Apenas procuro controlar a quantidade e a qualidade da comida”, diz ela. Seu pecado irresistível: “Não abro mão do franguinho frito com pele.” Se fosse orientada pela gerente de nutrição do Hospital do Coração, em São Paulo, Rosana Perim Costa, Maira ouviria a dica: “O importante é o equilíbrio. Não se deve comer cheeseburger todo dia, mas no domingo não faz mal.” Rosana diz que o Brasil tem um problema cultural com a alimentação sadia: “A criança nasce sabendo que alface é ruim? Claro que não. Em casa, na escola, acabam passando isso para ela.”A nutricionista acha que uma nova tabela focada em valores de gordura será essencial para todos, mas em “especial para os cardíacos.”
EQUILÍBRIO Lívia adotou as saladas para, de vez em quando, poder “atacar uma pizza”
Na mesma sintonia, o médico Michel De Lorgeril, da Universidade Joseph Fourier, de Grenoble, na França, disse a ISTOÉ que está certo de que “profissionais de cada país precisam ter a exata composição de gordura dos alimentos consumidos para dar orientação correta aos pacientes”. O especialista considera de “importância crucial saber o grau de gorduras presente nos alimentos, e não apenas o colesterol”. E explica: “Existem diversos tipos de gordura, como a saturada, a monoinsaturada, a poliinsaturada. Entre elas, há as essenciais e indispensáveis. Nós identificamos três famílias principais: ômega 3, ômega 6 e ômega 9. Atualmente, as pesquisas focam as gorduras e o ômega 3 porque em todo o mundo as populações têm tais deficiências e esse é um problema de saúde pública.”
O endocrinologista carioca Adolpho Millech, especialista em diabete, lembra que a questão alimentar é particularmente difícil na infância. Por comer mal, crianças hoje já apresentam as piores consequências da obesidade, como o infarto.“Como prevenção na alimentação infantil é mais importante conhecer os valores nutricionais dos alimentos”, diz ele. O adolescente paulistano Tiago Pomella, 16 anos, teve de fazer regime para perder dez quilos recentemente. Agora, está na fase mais difícil: manter o peso. Disposto a conseguir, o garoto controla a gordura no cardápio. Quando precisa ficar no colégio o dia inteiro, almoça com colegas mas opta por comida japonesa ou outras mais leves. Cachorro quente, só duas vezes por mês. Também é um dos poucos que levam lanche caseiro. “É muito melhor preparar em casa um lanchinho do que comer alimentos muito calóricos ou com gordura trans vendidos na cantina, que fazem mal à saúde”, diz Tiago, um raro exemplo de consciência com a própria nutrição.
Se tivesse feito isso, talvez o cineasta carioca Sílvio Tendler, 57 anos, não teria ficado diabético e cardíaco. “Comi sem preocupação durante muito tempo. Não sei se tenho esses problemas hoje por causa disso ou se é por herança genética, já que sou filho e neto de diabéticos. Não me culpo por ter comido bem a vida inteira. Foi ótimo”, diz ele, que chegou a pesar 110 quilos. Hoje, com satisfatórios 82 quilos para seu 1,75m de altura e com todas as taxas dentro dos níveis de referência, Tendler é o típico paciente disciplinado à força. “Faço dieta porque sou obrigado. Mas prefiro saber que a pele de frango faz mal depois de comê-la”, brinca. A sério, questiona: “Qual é o prazer de viver podendo comer apenas 100 gramas de peixe e uma colher de feijão? ” Ele simboliza o grande desafio dos médicos: lidar com um paciente revoltado. “Se disser uma coleção de nãos, não pode comer, não pode beber, ele até começa a dieta, mas desiste”, diz Carlos Scherr.Após frisar que a maior causa de mortalidade no mundo são as doenças cardiovasculares, o médico afirma que a única medida para diminuir isso “não está em célula-tronco, equipamentos ou stent, e sim na mudança de hábitos alimentares e atividade física”. A contragosto, Tendler está no caminho certo.
CONSCIÊNCIA Tiago leva lanche para escola para fugir das calorias e da gordura trans
QUEIJO MINAS TRAZ MENOS COLESTEROL E GORDURA SATURADA DO QUE O AMARELO*
Daí a importância da flexibilização da dieta: diminuir resistências e ganhar aderência. Linda e magra, a atriz carioca Lívia Rossy, 25 anos, segue regime desde os 11, quando resolveu ser modelo. “Fiz as dietas mais loucas que existem: do copo d’água, do tipo de sangue, da proteína, da lua”, diz ele. Certo dia, “a ficha caiu e aprendi a gostar de salada e coisas saudáveis”. Feliz com seu 1,73 m de altura e 53 quilos, a morena não admite comer mal. “E nem precisa”, diz o chef de cozinha Checho Gonzales, do restaurante Pecado, em Ipanema, no Rio de Janeiro. “Não é preciso viver à base de frango grelhado. Acabou o preconceito contra a carne de porco, por exemplo.” Seguindo as dicas de Scherr, ele preparou um suculento pernil assado especialmente para Lívia. Sim, é possível ser chique (e saudável) sem ser radical.
DISCIPLINA À FORÇADiabético e cardíaco, Tendler precisou perder 28 kg. “Faço dieta porque sou obrigado”
* Conclusões retiradas da tese de doutorado Soluções Nutricionais para Diminuir o Risco Cardiovascular, defendida pelo cardiologista Carlos Scherr na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
HÉLCIO NAGAMINE MAX G PINTO Agradecimento: Lívia Rossy é da agência 40 Graus Models & Acting; Maira Chasseraux, atriz