13/06/2001 - 10:00
A feijoada não é brasileira, a comida mineira nasceu em São Paulo e o prato mais sofisticado do Brasil é pato no tucupi. Quem não estiver de acordo precisa ler o livro Viagem gastronômica através do Brasil (Senac, R$ 80). Lançado no sábado 2, pelo veterano jornalista Caloca Fernandes, 64 anos, traz 256 páginas ilustradas e mais de 130 receitas de doces e salgados. Carioca, filho de portugueses, com carreira estabelecida em São Paulo, morando em Salvador há dois anos, Caloca aprendeu a gostar de cozinha entre uma bacalhoada e outra. “Era o almoço em casa, pelo menos uma vez por semana. E o peixe ficava pendurado na porta da cozinha, conforme a tradição lusitana”, lembra.
A influência dos pais foi tanta que Caloca enveredou no ramo da culinária. “Português adora conversar sobre comida. Almoça contando o que comeu na véspera e o que vai comer no dia seguinte”, diz. O trabalho como jornalista especializado em culinária o levou a viajar para provar os pratos mais exóticos de países tão diversos como França e Irã. Faltava uma viagem à cozinha brasileira. “Venho recolhendo informações há 30 anos. Minha pesquisa inclui o resgate de receitas descritas em cadernos antigos, conversas com cozinheiros, degustações e visitas a mercados. Se vejo algum produto desconhecido, provo, compro, pergunto para que serve e como se prepara. É uma espécie de arqueologia culinária”, explica. O arqueólogo, de barriga cheia, faz questão de justificar cada afirmação. Feijoada, por exemplo, já era feita em Portugal antes de 1500. Só não continha feijão-preto, uma contribuição carioca. “Provavelmente, uma escrava percebeu que o feijão marrom tinha acabado e, na hora do aperto, apelou para o preto. Sua senhora deve ter aprovado”, supõe Caloca. Com a mesma precisão, o autor afirma que a comida mineira foi levada para Minas pelos bandeirantes paulistas. Mas vá explicar para o mineiro que o tutu e o torresmo têm outro dono…
Em uma de suas muitas viagens gastronômicas, o autor conheceu um dos alimentos mais célebres da história nacional: o primeiro quitute miscigenado. Caloca Fernandes estava em Sobral, no interior do Ceará, provando queijadinhas, quando a doceira comentou, de passagem, que a vizinha preparava um doce muito gostoso chamado farte. Trazidos pela frota de Cabral, os fartes – ou fartéis – foram os primeiros doces oferecidos aos índios da costa tupiniquim. Caminha relatou o fato ao rei dom Manoel em sua famosa carta. “Deram-lhe de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada; e, se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora”, diz o texto. Essa espécie de pastel recheado com amêndoas e especiarias parece não ter feito muito sucesso por aqui. Tanto que sumiu do mapa e das mesas. Mas, por incrível que pareça, ainda resiste em Sobral. Apesar de as amêndoas terem sido substituídas pelas castanhas de caju, tão brasileiras.
| Fartes de Sobral (o primeiro doce do Brasil) |
Massa Recheio Preparo 2 Numa panela média, ponha o açúcar e a água e leve ao fogo, mexendo sempre até o açúcar se dissolver. Pare de mexer e deixe ferver até obter uma calda. 3 Tire a panela do fogo e adicione o leite dos dois cocos, a farinha, as castanhas de caju, a manteiga e o gengibre ralado. Leve de volta ao fogo brando, mexendo sempre até a colher, ao abrir caminho pelo creme, deixar um rastro no fundo da panela. Deixe esfriar. 4 Abra a massa com um rolo e recorte círculos com cerca de 10 cm de diâmetro (use um pires de café). Adicione uma pequena porção do creme sobre cada círculo, feche a massa e cole as beiradas com uma pincelada de gemas. Distribua os pasteizinhos na assadeira untada e polvilhada. 5 Leve-os ao forno preaquecido em temperatura quente (200o C) até dourarem levemente (cerca de 15 minutos). Tire do forno e polvilhe-os com açúcar cristal. Sirva-os depois de frios. (preparados por dona Rita de Cássia Cunha, em Sobral, no Ceará)Fartes de Sobral (o primeiro doce do Brasil) |