08/11/2006 - 10:00
São muitas noites insones tentando encontrar a resposta para o dilema. Desde que tomou posse como ministro da Fazenda, em março, o professor Guido Mantega tem estudado uma saída para o círculo vicioso no qual há quase três décadas a economia brasileira se meteu: se acelerar demais o crescimento, a inflação pega; se frear, o desemprego come. Mantega acredita que a inflação já está sob controle, sem riscos de desandar. Por isso, avalia, há espaço para acelerar o crescimento com grande margem de segurança. Em qual velocidade? Na média de 5% ao ano, o dobro da atual, responde o ministro. E qual o risco de a inflação voltar? Muito pequeno. E como fazer isso? Com uma série de medidas pontuais, aliadas aos investimentos das estatais no País e às parcerias público-privadas, as PPPs. Economista criativo, Mantega e sua equipe têm passado as últimas semanas estudando medidas para acelerar o crescimento. Por isso suas noites têm sido insones. A cada idéia que vaza ao público, os setores produtivos aplaudem.
Curiosamente, Mantega tem encontrado forte oposição dentro do próprio governo e do PT, numa facção liderada por seu antecessor Antônio Palocci, que tem como pontas-de-lança o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Essa facção atravessou as últimas semanas tentando convencer Lula a substituir Mantega. Primeiro tentaram empinar o nome de Fernando Pimentel, atual prefeito de Belo Horizonte, economista com idéias ultraconservadoras. Palocci apresentou Pimentel ao mercado financeiro como um possível sucessor de Mantega e, quem sabe, sucessor de Lula em 2010. Pimentel já anunciou que fica onde está, em Belo Horizonte. O governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, tentou emplacar o nome de Sérgio Gabrielli (Petrobras) como alguém com idéias entre Mantega e Pimentel.
Diante desse caldeirão de futricas palacianas, três autoridades do primeiro time decidiram cerrar fileiras por Guido Mantega – Dilma Rousseff, da Casa Civil,
Tarso Genro, da Articulação Política, e Marco Aurélio Garcia, presidente do PT. De comum acordo, coube a Tarso Genro vir a público anunciar que “chegou ao fim
a era Palocci”. Foi uma confusão em Brasília. Por obrigação, o presidente Lula
deu entrevistas desautorizando seu articulador. Nos bastidores, tudo indica que a parada tenha sido resolvida. Na segunda-feira 30, o ministro da Fazenda também aparecia em público. Mantega deixou de lado a timidez habitual e anunciou que o segundo mandato “vai ser mais desenvolvimentista”, com um “crescimento
mais vigoroso”. Nesta entrevista a ISTOÉ, o ministro anuncia o que chama de nova fase da Fazenda.
“Não sou ortodoxo”
ISTOÉ – O que muda na economia no segundo governo Lula?
Guido Mantega – Esse segundo mandato tem que seguir a trajetória do primeiro,
só que numa nova fase.
ISTOÉ – Como seria essa nova fase?
Mantega – Com um crescimento econômico maior, geração de empregos num volume maior, maior distribuição de renda, fortalecimento do mercado interno e também uma sintonia política maior com todos os partidos.
ISTOÉ – Terminada a disputa eleitoral, o governo aposta em um cenário de calmaria política e maior colaboração da oposição?
Mantega – Em 2007, não há campanha eleitoral. O presidente Lula não é mais candidato. Esses fatores possibilitarão um trabalho conjunto. Eu tenho certeza de que as forças da oposição estarão trabalhando conosco. Porque, antes de seus interesses, eles têm interesse em que o País cresça.
ISTOÉ – Dentro desse cenário, é possível imaginarmos uma queda real na
taxa de juros?
Mantega – O momento é extremamente favorável para que a taxa de juros continue caindo. Aliás, ela já vem sendo reduzida desde setembro do ano passado e com uma inflação cada vez menor.
ISTOÉ – O Brasil então pode esperar taxa de juros de países desenvolvidos
neste segundo mandato?
Mantega – O espaço para a taxa de juros continuar caindo já está dado. Acredito
que a flexibilização da política monetária será um dos fatores dinâmicos da economia brasileira em 2007.
ISTOÉ – Quanto a taxa de juros poderá cair?
Mantega – Isso eu não posso antever, mas certamente estamos na trajetória
correta e adequada.
ISTOÉ – E quanto à dívida pública. Será possível reduzi-la?
Mantega – Assim como os juros, ela vem caindo. Hoje, ela está em torno de
50% do PIB.
ISTOÉ – Que parâmetros de redução da dívida pública o mercado pode esperar neste segundo mandato?
Mantega – A partir dessa política de manutenção do superávit primário, aliado ao crescimento econômico e redução de juros, ela deverá chegar aos 44% do PIB nos próximos quatro anos.
ISTOÉ – As parcerias público-privadas vão finalmente sair do papel?
Mantega – As parcerias público-privadas vão entrar em funcionamento.
ISTOÉ – Em que ambiente econômico se espera aumento dos investimentos
com estas parcerias?
Mantega – O governo criará o ambiente favorável para o aumento do investimento privado, reduzindo custo tributário e financeiro e melhorando infra-estrutura para
que as empresas invistam.
ISTOÉ – Certa vez o sr. disse na reunião do FMI: “Eu não sou ortodoxo.” O
que significa isso?
Mantega – Não ser ortodoxo é não querer um superávit primário em patamares muito elevados, desnecessário de modo a comprometer os investimentos, o crescimento. Se você der um choque fiscal, se quer fazer um superávit de 8%, os gastos do investimento do Estado diminuem e eles têm um impacto no PIB. Você sabe que gasto público estimula o PIB. E ainda não sou ortodoxo porque sou a favor dos programas sociais do governo, como o Bolsa Família.
ISTOÉ – O programa é criticado pelo lado supostamente assistencialista. O mercado sozinho não resolve as distorções?
Mantega – Os ortodoxos acham que o Bolsa Família é um desperdício. Os ortodoxos acham que o mercado resolve tudo. Não resolve. Precisa da ação do governo.