Quando a música-tema de um programa de tevê invade as telinhas do País sinaliza para os telespectadores o que vai entrar no ar. Os temas executados cumprem o papel de dar identidade ao programa anunciado. É por isso que as gêmeas Maria Cristina e Maria Cecília Cardoso, pioneiras em produção musical televisiva no Brasil, movem uma ação contra a Rede Globo pedindo uma indenização de R$ 200 milhões. Produtoras musicais da emissora de 1983 a 1989, as irmãs dizem ter sido “escravizadas intelectualmente” pela Globo e reclamam os direitos autorais de 62 músicas e 600 produções musicais em co-autoria. Entre elas estão temas para os programas Os Trapalhões e A festa é nossa, as aberturas do TV pirata e do musical Globo de ouro. Além disso, afirmam ter ajudado a criar o chamado “padrão Globo de qualidade musical”, o que valoriza a ação. Na semana passada, a juíza da 37ª Vara Cível do Rio de Janeiro transformou os Marinho (Roberto e Roberto Irineu) em réus no processo por incidente de falsidade, que corre em paralelo à ação indenizatória. A emissora anexou ao processo recibos e termos de cessão do pagamento de direitos autorais comprovadamente falsificados, como mostrou um exame feito por um perito grafotécnico.

Primas em primeiro grau do ex-todo poderoso da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Cristina e Cecília comprovaram que, às vezes, “parente é serpente”. Contam que procuraram o primo para reclamar do não recebimento do direito autoral de suas músicas, mas Boni, que também era o chefe, preferiu ignorar a lei: “Quem não está satisfeito, que peça demissão”, teria respondido. As irmãs seguiram o conselho de Boni. Depois de seis anos e nove meses compondo sem receber um tostão além do salário de produtoras, deixaram a emissora. “A gente não era contratada para compor, mas para produzir. Fazíamos músicas porque nos mandavam. Mas o Boni nos negou os créditos e direitos”, diz Cristina. A mágoa é ainda maior porque os anos trancafiadas nos estúdios apagaram duas carreiras artísticas que, segundo elas, eram promissoras. Em 1979, formavam a dupla Gemini, na onda dos brasileiros que cantavam em inglês, como faziam Fábio Júnior e Crysthian.

Quando decidiram ingressar com a ação, em 1998, penaram para encontrar advogados que aceitassem a empreitada. Só em novembro de 1999, o escritório paulistano Husni, Paolillo e Cabariti decidiu comprar a briga. O primeiro passo foi reunir as próprias músicas e programas que estavam em poder da Globo. Um mandado judicial autorizou uma busca nos estúdios da emissora. No Projac, um segurança tentou barrá-las e ouviu voz de prisão do oficial de justiça, conforme está nos autos. A Globo também se recusou a liberar o acesso à Central de Direitos Autorais e a porta precisou ser arrombada. Hoje o processo possui dez mil páginas. Parte delas anexada pela própria Globo, que, tentando provar o pagamento dos direitos, apresentou, segundo perito, recibos falsos. Carlos Fróes atestou que os documentos são resultado de “montagens de xerox”. As gêmeas ganharam o direito de obter uma análise das assinaturas, que julgam terem sido falsificadas. A Justiça determinou a apresentação dos recibos originais.

Cálculo – Para estimar o prejuízo, as irmãs fizeram a seguinte conta: cada crédito levava, na época, dois segundos e meio para correr na telinha; deixando de exibir os dois nomes, a emissora ganhava cinco segundos a mais nos comerciais. No processo, o advogado Gilberto Ferraz de Arruda Veiga explica que “30 segundos custam de R$ 25 mil a R$ 250 mil. Quanto lucro não usurpou injustamente a Rede Globo, deixando de transmitir no vídeo os milhares de segundos dos créditos autorais de nominação?” Elas fizeram o cálculo aproximado do número de vezes em que seus nomes deveriam ter aparecido na telinha, em seis anos de trabalho. Esperando o julgamento, as gêmeas escreveram um livro sobre o episódio, no qual pregam a união da classe artística contra os usurpadores da propriedade intelectual. A assessoria de comunicação da Rede Globo nega que exista um processo criminal e refuta as alegações das ex-funcionárias, mas não esclarece a questão do direito autoral. Segundo a emissora, elas fizeram trabalhos de produção musical e foram remuneradas por essa tarefa. “Não havia porque pagar cada trabalho”, argumenta a assessoria. A emissora assegura que as assinaturas das irmãs nos recibos apresentados são verdadeiras, conforme atestou o perito contratado pela tevê. Quem vai bater o martelo é a Justiça. 

Primeiro Round
Maria Cristina e Maria Cecília venceram a primeira batalha de outra guerra que promete. Elas ganharam em primeira instância a briga com a Globo Disk/Som Livre, que comercializou uma de sua músicas sem autorização prévia. Souberam do CD Hits Again por amigos e somente três meses depois do lançamento, em fevereiro de 2000, receberam um telefonema da gravadora. Em nome do diretor artístico Hélio Costa Manso, um funcionário pediu o número da conta corrente das irmãs para depositar o valor correspondente ao direito autoral da música Mexican Divorce – também interpretada por elas. “Usaram a música no CD sem nossa autorização. Isso é pirataria, ato ilícito”, dizem as irmãs. A ação pede R$ 1,6 milhão pelo uso indevido de imagem – há fotos delas no encarte –, direitos conexos, de intérprete, danos morais e patrimoniais.