08/11/2006 - 10:00
Se Lula insistir, Gilberto Gil cantará na Esplanada dos Ministérios uma velha embolada de autor desconhecido e que circulava no Nordeste nos tempos de Getúlio Vargas: “Se você pedir muito, eu fico/nunca fui amigo de um só momento/se você pedir muito, eu fico/ mas não retifico/o meu procedimento/ porque sempre andei na linha/nada em ti me amesquinha/nada em mim te dá tormento.” Esses versos clareiam duas situações: Gil sai do Ministério da Cultura, a não ser que o presidente insista muito para ele continuar. Se isso ocorrer, Gil comodamente permanece porque termina o primeiro governo praticamente sem arranhões. Houve crises, mas, como tudo que ocorre no meio artístico, também elas foram resolvidas em petit comité. Para a platéia brasileira só retumbou a reação ao projeto intervencionista do governo nas artes, bombardeado pelo poeta Ferreira Gullar.
Mais embolado que a embolada do Fico é o que pautará a segunda gestão. Mas aí a culpa não será do ministro atual, se ele ficar, nem será de quem o substituirá (cogita-se do escritor Fernando Morais e do sociólogo Juca Ferreira, secretário executivo do Minc). Desde que a República foi instituída no Brasil, ou a classe artística quer freqüentar os salões do Poder ou radicalmente desdenha deles – ou faz a segunda coisa para conquistar a primeira. Mas falar a mesma língua para se construir uma agenda consensual, isso ela não fala não. Somente em um único ponto o coro afina: financiamentos de projetos em todas as áreas artísticas. “O prioritário é uma revisão do modelo de financiamento público, para que ele fique mais eficiente”, diz o consultor de patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas. “A política isolada de deduções fiscais faz com que patrocinadores e patrocinados fiquem brincando de banco imobiliário, e o fazem com dinheiro do Estado.”
No mesmo campo do financiamento das atividades culturais, o presidente do Sindicato dos Artistas do Rio de Janeiro, o ator Stephan Nercessian, propõe parceria mais atuante entre Estado e iniciativa privada – destacando que essa última tem feito a sua parte. “Proponho um Fome Zero na Cultura para propiciar o acesso da população pobre aos bens culturais”, diz ele. “Para que isso ocorra, é preciso rever toda a política de financiamento.” O Ministério tem uma verba de 0,6% do Orçamento da União, e ela foi suficiente para levar shows, exposições, peças de teatro e dança para fora do Brasil. Gastou-se mais fora do que dentro do País? Essa é uma crítica do petit comité. Mas também quando se trata de eventos internos, há discussão. O Norte e o Nordeste saíram-se bem na primeira gestão com boa dotação orçamentária para teatros, museus e manifestações folclóricas. O Sul e o Sudeste reagem. “Os investimentos devem ser diversificados por regiões, mas é preciso tratar bem todas elas”, diz o diretor teatral Antunes Filho. “Não podemos cindir Norte e Sul”. Mais pragmáticos, o cineasta Cacá Diegues e o produtor musical Roberto Menescal propõem questões pontuais – e, novamente, o dinheiro está na roda. Cacá quer um Fundo Setorial de Audiovisual para que “o cinema vire atividade permanente” e Menescal sugere um combate sem trégua à pirataria e ao velho jabá das rádios – espécie de mensalão do meio musical, através do qual toca-se a música em troca de dinheiro. Assim, o projeto cultural não difere do projeto geral que se espera da próxima gestão: os artistas querem que suas artes cresçam. E para tal desenvolvimento ocorrer, são necessários investimentos no setor.