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Bye, bye O premiê deixa o cargo depois de dez anos e deve ser substituído por Gordon Brown

O Reino Unido tem uma tradição de autofagia com seus grandes líderes. Em julho de 1945, nas primeiras eleições gerais em dez anos, o eleitorado britânico resolveu tirar da Downing Street nº 10 o grande vitorioso da Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro conservador Winston Churchill, dando a vitória à oposição trabalhista. Em 1990, a cúpula do Partido Conservador derrubou, com uma moção de desconfiança, a primeira-ministra Margaret Thatcher, que em uma década de poder não apenas resgatara a Grã-Bretanha do declínio econômico como criara um novo paradigma macroeconômico mundial, o chamado neoliberalismo. Agora, quando o primeiro-ministro trabalhista Tony Blair completa dez anos no cargo, o país vive uma longa fase de prosperidade, queda no desemprego, sensíveis melhorias sociais e pacificação na convulsionada Irlanda do Norte. Mas Blair amarga um dos piores índices de aprovação da história britânica: apenas 22% dos seus concidadãos apóiam sua gestão. E tudo por causa do que talvez tenha sido a única grande decisão equivocada de seu governo: o apoio incondicional aos Estados Unidos e o envio de tropas britânicas ao Iraque, contrariando a imensa maioria dos britânicos. Espera-se que, no máximo em setembro, o combalido líder trabalhista renuncie em favor do ministro das Finanças, Gordon Brown.

A chegada do então jovem Tony Blair ao poder, em 1º de maio de 1997, representou a primeira vitória do Partido Trabalhista desde 1976. “O Labour era praticamente um partido em extinção quando ele assumiu. Estamos falando de uma legenda que não ganhava uma eleição havia duas décadas e que, com Blair, pela primeira vez em sua história, obteve três mandatos consecutivos”, diz Chris Pierson, do Centro de Estudos em Política da Universidade de Nottingham. Logo no início de seu mandato, o dinâmico Blair conquistou corações e mentes britânicos ao convencer a família real britânica a se juntar ao povo nas homenagens à princesa Diana, morta em acidente automobilístico em Paris pouco depois da ascensão dos trabalhistas. O primeiro-ministro, que captou a comoção popular com a tragédia, cunhou a expressão “princesa do povo” e venceu as resistências da rainha Elizabeth II, que fez um pronunciamento à nação e concedeu a Diana funerais de Estado (o episódio é narrado no recente filme A rainha, de Stephen Frears, que deu o Oscar de melhor atriz a Helen Mirren, no papel de Elizabeth II). O governo de Blair também obteve um acordo de paz definitivo na Irlanda do Norte, onde o Reino Unido enfrentava a insurgência do Exército Republicano Irlandês (IRA) desde 1969, com mais de três mil mortos. O acordo de paz deve culminar num governo de unidade entre os adversários históricos Gerry Mulligham, líder do Sinn Fein, e Ian Paisley, líder dos protestantes unionistas. Por fim, a década trabalhista representou uma ruptura com o rígido monetarismo thatcherista, com aumento de investimentos em educação e saúde e a criação do salário mínimo. “O problema é que talvez a única grande decisão errada tomada por Blair (a participação na invasão do Iraque) poderá ser o sinônimo de seu legado”, conclui o professor Pierson.

A erosão política de Blair se acentua na medida em que cresce o número de baixas britânicas no Iraque. Desde 2003, quase 150 soldados de Sua Majestade já foram mortos. Blair, apelidado por críticos mais mordazes como “poodle de Bush” pela fidelidade canina à política da Casa Branca, tem sido alvo de manifestações de protestos. Como se não bastasse, o governo agora se vê envolvido na espinhosa questão da possibilidade de o príncipe Harry – filho de Charles e Diana – ser enviado a combater no Iraque. Nos últimos dias, o Exército britânico teve que desmentir rumores de que o príncipe seria proibido de combater. O boato começou no mês passado, o mais mortífero para as tropas britânicas no Iraque. E entre os 11 soldados britânicos mortos na guerra em abril dois estavam num tanque Scimitar, igual ao que Harry deverá comandar. Mas o próprio príncipe disse várias vezes que entrou em Sandhurst com a intenção de seguir para a linha de frente. Afinal, a família real britânica se orgulha de sua tradição militar. O príncipe Andrew, irmão de Charles, era o segundo na linha de sucessão ao trono quando serviu na Guerra das Malvinas, em 1982. Blair deve rezar para que Harry tenha a mesma sorte do tio e volte ileso ao país.