Quando foi eleito pela primeira vez, em 2002, em meio a uma grande expectativa de mudanças, o presidente Lula foi logo avisando: “Não se dá cavalo-de-pau em transatlântico.” Quatro anos depois, a metáfora permanece valendo. Que ninguém espere grandes mudanças de rumo no transatlântico chamado Brasil. Mas correção de rota, essa sim, haverá.

A ordem agora é acelerar o desenvolvimento econômico para aumentar a distribuição de renda e gerar empregos. O presidente quer que o País cresça a taxas de 5% ao ano sem prejudicar o controle da inflação. Esta deve ficar abaixo de 4,5% ao ano. Lula pretende acelerar a queda de juros reais até o patamar de 5% no final de 2007, metade do praticado hoje. O País passou mais de três anos preocupado exclusivamente com a estabilidade do mercado financeiro e patinando em índices medíocres de crescimento econômico: 2,7% em média. É muito pouco para uma nação que todos os anos precisa incorporar 1,5 milhão de jovens ao mercado de trabalho.

O dilema de Lula é reverter esse quadro sem ameaçar as conquistas obtidas nos últimos anos. Quando saiu candidato, um velho amigo pessoal, o consultor Antoninho Marmo Trevisan, tentou convencê-lo a aproveitar o segundo mandato para dar uma guinada que permitisse acelerar o crescimento a taxas chinesas. Argumentou que, se o Brasil crescesse a taxas de 7% ao ano por 20 anos, conseguiria acabar também com a miséria. A conversa teve testemunhas. Lula cofiou a barba, fechou o semblante e cruzou os braços. “É muito complicado mudar a economia”, respondeu. “Meu compromisso é botar comida na mesa dos pobres.”

Nas últimas semanas, uma série de ministros tentou convencer Lula a mudar de rumo. Dilma Rousseff, da Casa Civil, Guido Mantega, da Fazenda, Tarso Genro, da Articulação Política, e até o deputado Delfim Netto queriam acelerar o crescimento. Reeleito, Lula anunciou as linhas gerais do segundo governo sem minar as premissas do primeiro. Para começar, sua equipe terá que manter a atual política econômica, baseada num tripé que combina o controle da inflação pelo sistema de metas; um superávit primário alto, de 4,25% do PIB, para honrar a dívida pública; e câmbio flutuante. Também vai manter como estão os programas de transferência de renda, principalmente o Bolsa Família. A novidade é que os ministros terão que dar um jeito de dobrar o crescimento econômico dentro dessas duas balizas – uma financeira e outra social.

A partir de 2007, saúde e educação viram prioridades. Esses setores teriam suas dotações aumentadas de forma proporcional ao crescimento da população, 1,5% ao ano. Outra ordem é acelerar os investimentos. A intenção é investir em grandes obras de infra-estrutura. O BNDES avaliou que há 100 grandes obras por fazer, ao custo de R$ 400 bilhões. O Planejamento listou 19 obras de emergência, como portos e rodovias, avaliadas em R$ 40 bilhões. O plano do governo é se concentrar em poucas e grandes realizações, com prioridade para a redução das desigualdades regionais.

Lula tem suas próprias prioridades. A maior delas é fazer a transposição das águas do rio São Francisco. Em seguida, vêm a ferrovia Transnordestina e a refinaria de Pernambuco. Também estão nos planos construir o pólo siderúrgico do Ceará e a rodovia BR 101 no trecho Sul. Um dos maiores gargalos para o segundo mandato é a energia. Especialistas estimam que em 2008 pode faltar energia e haver um novo apagão. O governo precisará investir pesado em infra-estrutura nessa área.

Os ministros terão que ser criativos e arrumar dinheiro desde já. Guido Mantega está preparando um grande pacote de medidas. A ordem é terminar 2006 cortando gastos para compensar as bondades que garantiram a reeleição. Dias antes do segundo turno, Lula disse que não iria demitir funcionários públicos. Terá, portanto, que reduzir os gastos supérfluos e o desperdício. Só com as compras por pregão eletrônico, poderiam ser economizados R$ 4 bilhões. Os cortes de 2007 deverão ser entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões.

Outra questão a ser resolvida são os recursos para os investimentos públicos. Já está decidido enviar ao Congresso uma emenda prorrogando a vigência do mecanismo de desvinculação das receitas da União, que acaba em dezembro de 2007. Além disso, pedir a ampliação da desvinculação de 20% para 35%. Para preservar a arrecadação, também será preciso o Congresso prorrogar a CPMF, que também cessa em dezembro de 2007. A idéia é transformá-la em um tributo permanente, com a redução da alíquota.

O time de Guido Mantega estuda dobrar, de 0,15% para 0,3% do PIB, os recursos destinados ao Projeto Piloto de Investimentos, o PPI, acertado com o FMI. Parece pouco, mas não é. Uma das principais razões para que os investimentos públicos estejam quase parados é que o governo precisa manter o elevado superávit
primário. Os investimentos do PPI não entram nesse cálculo. Ou seja, vai dar para investir sem computar os valores na coluna dos gastos. Outro projeto do segundo mandado é retomar os processos de concessão à iniciativa privada de rodovias, ferrovias, portos e hidrovias, parados desde o governo de FHC. Há muitos ajustes a serem feitos na rota desse transatlântico que, conforme decidiu o presidente, não pode dar cavalo-de-pau.