16/05/2000 - 10:00
No dia 30 de setembro de 1974 ocorreu em Buenos Aires um dos crimes mais bárbaros cometidos por uma ditadura latino-americana. Numa rua de Palermo, bairro chique da capital argentina, uma bomba estraçalhou um carro Fiat, matando na hora o general chileno Carlos Prats e sua mulher, Sofia Cuthbert. Como comandante do Exército do Chile durante o governo do socialista Salvador Allende, Prats sempre manteve posições legalistas e se opôs à conspiração dos militares de direita contra o governo da Unidade Popular. Era considerado um homem culto e sensível e ficou ao lado de Allende até o último momento antes do sangrento golpe de Augusto Pinochet em setembro de 1973. Quando foi assassinado, Prats vivia exilado na Argentina havia um ano. Quase 26 anos depois, o crime está próximo de ser esclarecido. Em novembro do ano passado, um ex-agente da Dina (a polícia secreta da ditadura chilena), o americano Michael Townley, confessou ter sido ele quem colocou a bomba no carro de Prats, um depoimento que só agora veio à tona.
O impacto do depoimento de Townley, dado à juíza argentina María Servini de Cubría, foi imediato. O presidente chileno, Ricardo Lagos, afirmou que “para o bem do Chile espero que o assassinato de um ex-chefe do Exército seja elucidado, para que nunca mais volte a acontecer”. A Justiça argentina já sabia que a Dina tinha sido responsável pela morte de Prats, mas não tinha ainda uma confissão. A prisão há quatro anos de Enrique Arancibia Clavel, processado pelo atentado e até hoje cumprindo pena em uma prisão de Buenos Aires, não convenceu as filhas de Prats, que pediram que a investigação prosseguisse. Townley vive hoje nos Estados Unidos e está sob o sistema de proteção às testemunhas, depois de colaborar com a Justiça. Ele cumpriu pena de seis anos pelo assassinato, em 1976 em Washington, do ex-ministro chileno Orlando Letelier e de sua secretária, a americana Ronni Moffit, também com um atentado à bomba. Aliás, o ex-agente, um anticomunista ferrenho, tem um currículo invejável de assassinatos nos anos de repressão. No sótão de sua luxuosa casa em Santiago, ele torturou e matou um diplomata espanhol da ONU, Carmelo Soria.
Na confissão à juíza, Townley acusou o general da reserva e ex-chefe da Dina, Manuel Contreras, de ter dado a ordem de matar Prats. Contreras, que cumpre seu último ano de prisão na cidade chilena de Punta Pueco pelo assassinato de Letelier, rejeitou as acusações. Ele disse que Townley nunca foi da Dina, mas sim espião da CIA. “Para ser da Dina seria necessário que ele fosse membro da Força de Defesa Nacional, e ele não era. Townley era, sim, agente da CIA desde fevereiro de 1971”, disse Contreras. Até hoje são obscuras as atuações do serviço secreto americano nos cinzentos e sangrentos anos das ditaduras latino-americanas.
A metralhadora verbal de Townley atingiu também os irmãos Jorge e Raúl Iturriaga, o general da reserva José Zara e o brigadeiro Pedro Spinoza, também acusados de envolvimento no caso Letelier. Não escapou nem sua mulher, a chilena Marian Callejas, ex-colaboradora da Dina e que, segundo ele, acionou a bomba contra Prats por um controle remoto. Porém, todas essas acusações vão desembocar no capo-mor das atrocidades da ditadura no Chile: o general Augusto Pinochet, cuja imunidade que desfruta como senador vitalício está sendo reavaliada pela Justiça.