O médico Arlindo Chinaglia Júnior é um político diferente. Nos anos 70 do século passado, quando jovem residente num hospital de Taguatinga, periferia de Brasília, dizia a todos que se chamava Neto para fugir da ditadura. Hoje, aos 57 anos, presidente da Câmara dos Deputados, ele continua refratário a revelar seu paradeiro (ou o que vai fazer). “Ninguém sabe com quem eu me reúno ou com quem almoço”, rejubila-se. Essas excentricidades estão provocando queixas de seus pares. Tido como alguém que diz tudo o que pensa e não dá muita atenção à diplomacia, ele resolveu, numa das suas primeira medidas à frente da Câmara, marcar sessões deliberativas às segundas-feiras. Pressionado agora, ele recuou das sessões às segundas. Pelos corredores, alguns deputados ainda reclamam do seu temperamento. O homem que chegou à presidência da Câmara há apenas três meses cheio de promessas e de boas intenções vê sobre si o peso da corporação que dirige. Alguns de seus planos estão caindo. Mas outros estão vindo por aí. Na entrevista abaixo, Chinaglia adianta que vai comprar outras brigas.

ISTOÉ – O sr. assumiu falando em trabalho nas segundas-feiras e que não haveria aumento de salário para os deputados. O tempo passou, o trabalho às segundas acabou, o salário vai aumentar. A corporação venceu o presidente?
ARLINDO CHINAGLIA

Trabalhamos todas as segundas-feiras com quórum alto por dois meses. Desde a Constituinte, a Câmara não trabalhava tanto. Foi um esforço brutal para todo mundo, mas os deputados reclamavam que é importante estar nas bases políticas nas segundas.

ISTOÉ – O que os deputados têm de tão especial que não podem trabalhar como qualquer trabalhador, a semana inteira?
ARLINDO CHINAGLIA

Não existe nenhum Parlamento no mundo que trabalhe de segunda a sexta, em horário comercial. Porque além das sessões deliberativas no plenário tem o trabalho nas comissões técnicas e o trabalhão de representação popular. Até porque, se alguém deixar de freqüentar o lugar em que costumava ir antes da eleição, vai receber o epíteto de “deputado Copa do Mundo”, aquele que só aparece de quatro em quatro anos para pedir votos.

ISTOÉ – E quanto ao aumento salarial?
ARLINDO CHINAGLIA

Eu nunca disse que não haveria reposição das perdas da inflação. E é só isso que os líderes dos partidos, por unanimidade, combinaram: repor as perdas dos últimos quatro anos. O que povoa o imaginário popular é que o valor do salário do deputado é muito alto. Mas, se compararmos com atividades de igual importância, ou até menor, veremos que não é bem assim.

ISTOÉ – Há uma inegável crise de imagem do Parlamento. O povo e seus representantes já não falam a mesma língua?
ARLINDO CHINAGLIA

Estamos falando de um processo histórico que não foi criado nesta legislatura. Houve uma crise brutal na legislatura passada que, é claro, atinge a imagem do Legislativo. Mas esse distanciamento do eleitor vai diminuir na medida em que trabalharmos mais. E à medida que houver punição para a corrupção e para o que houver de errado.

ISTOÉ – Atitudes como a de quase sempre absolver deputados sob suspeita, como ocorreu com os mensaleiros, não ajuda a aumentar o fosso?
ARLINDO CHINAGLIA

O que a atual legislatura tem a ver com as passadas? Nada. Não podemos ser julgados pelos atos dos outros. No caso da crise passada, as investigações não apontaram objetivamente o que seria o tal do mensalão. O que houve ali seguramente foi crime eleitoral. Tenho que admitir que é muito complicado para os parlamentares julgarem os colegas. Tem inclusive uma proposta de emenda constitucional para que esse julgamento seja feito pelo Supremo.

ISTOÉ – O sr. está dizendo que é melhor ter um controle externo do Parlamento?
ARLINDO CHINAGLIA

 É melhor que o julgamento seja pelo Judiciário, até porque sempre vai haver a suspeição de que houve proteção, qualquer que seja o resultado. Mas isso não é unânime, muitos interpretam como o Parlamento abrir mão do seu poder. Eu, pessoalmente, tenho dúvidas. Mas admito que, seguramente, o Parlamento não se sente confortável com o modelo atual.

ISTOÉ – O Conselho de Ética vai examinar o caso daqueles apanhados na Operação Hurricane recebendo dinheiro dos bingos?
ARLINDO CHINAGLIA

Não, sou contra. É preciso ter muito cuidado para não trazer para o colo da Câmara tudo quanto é boato ou situação. Não é o Poder Legislativo que está em foco na Operação Hurricane. Só pelo fato de aparecer numa conversa gravada o nome de deputados, já querem imediatamente que o assunto seja debatido na Câmara. Se amanhã qualquer deputado aparecer envolvido, primeiro ele vai ser punido pela Justiça.
 

ISTOÉ – Muitos deputados dizem que o sr. tem temperamento por demais explosivo para presidir a Câmara.
ARLINDO CHINAGLIA

Devem ser aqueles que notaram que fui líder do governo durante toda a crise e os decepcionei porque jamais usei de argumento menor para fazer os embates. Ou aqueles que se surpreenderam durante a disputa pela presidência da Câmara, quando, numa semana, obtive o apoio da bancada do PMDB e do PSDB. Olha, tenho me esforçado bastante para que cada deputado se sinta em pé de igualdade com os demais.

ISTOÉ – Daí deriva a crítica freqüente de que o sr. tem se isolado e não recebe deputados?
ARLINDO CHINAGLIA

Quem diz isso é mal informado. Ninguém sabe com quem eu me reúno ou com quem almoço. Os que reclamam não o fazem inocentemente. Há deputados que ainda não esqueceram a disputa para presidente.

ISTOÉ – Por que o sr. agora resolveu comprar também uma briga com os jornalistas, tirando o Comitê de Imprensa de perto do Plenário?
ARLINDO CHINAGLIA

Não decidi comprar briga alguma, falo com a imprensa em média quatro vezes por dia. Mas, quando assumi a presidência, recebi estudos referentes a todas as ocupações de espaços na Câmara. O local onde estão os jornalistas, segundo o projeto original de Oscar Niemeyer, não deveria ser ali. Não fui eu quem inventou, vão brigar com o Niemeyer. E escrevam que ele é um arquiteto pífio porque pensou mal a estrutura da Câmara. Os jornalistas querem é iniciar uma operação abafa.

ISTOÉ – Como assim?
ARLINDO CHINAGLIA

Quando os jornais publicaram esse assunto antes de ele entrar na pauta oficial da Mesa da Câmara, tentaram abafar sua discussão. Isso é pressão. Mas é bom que se diga: isso não me intimida, pressão não me intimida. É claro que eu admito pressão, mas que ninguém se iluda que isso me tirará o ânimo de fazer o que for julgado melhor. Daí é que talvez venha a idéia de que gosto de confronto. Eu apenas zelo para que cada um cumpra bem o seu papel. Portanto, a presidência da Câmara não será exercida por ninguém da imprensa. Será exercida por mim e pronto!

ISTOÉ – Circula dentro do próprio PT a informação de que José Dirceu teria sido o articulador da sua vitória na eleição para a presidência da Câmara. Afinal, o Dirceu é mesmo seu padrinho e guru?
ARLINDO CHINAGLIA

O PT sempre foi acusado de ser um partido dividido. Eu venci porque fiz todo um esforço para unir o PT. A bancada, por unanimidade, decidiu que eu seria o candidato, essa foi a chave do sucesso. Quando alguém pergunta do Dirceu, por que não pergunta do Júlio Delgado, deputado do PSB, que também me apoiou? Lembro que o Júlio foi o relator do processo do Dirceu no Conselho de Ética, que pediu a sua cassação. A questão é: Dirceu tem influência do PT? Tem, é claro que tem. Portanto, foi bom ele ter me apoiado, mas não foi o único.

ISTOÉ – Neste momento o PT inicia os debates sobre seu futuro, e há quem pregue a redução do poder do grupo que domina o partido, o Campo Majoritário, o mesmo que se envolveu no mensalão. O que precisa mudar?
ARLINDO CHINAGLIA

O Campo Majoritário também vem passando por um processo de disputas e de mudanças internas. Acho que a corrente acabou se valendo da sua força e foi vítima dela. Como tinha maioria, negociou menos do que deveria ter negociado, ouviu menos do que deveria e na hora de escolher os cargos partidários, o poder foi exercido com exclusividade.

ISTOÉ – O PT perdeu seus valores? É hora de refundar o partido, como tem pregado o ministro da Justiça, Tarso Genro?
ARLINDO CHINAGLIA

Alguns dirigentes internos cometeram erros. A questão do financiamento de campanha foi o mais brutal e inadmissível erro do PT. O caminho do arejamento é tomarmos as medidas concretas sobre cada caso. Onde deu problema? Na questão financeira. Teve candidato a prefeito que recebeu dinheiro de caixa 2 porque a direção nacional mandou. Então, por que o PT não faz agora da sua contabilidade financeira um exemplo para o País? Por que não cria um conselho e disponibiliza suas contas para a sociedade? Com a reeleição do Lula e a votação que o PT recebeu na última eleição, a população nos deu mais uma chance. Então temos que aproveitá-la.

ISTOÉ – A oposição luta para instalar a CPI do Apagão Aéreo, mas o governo alega que atrapalha a tramitação dos projetos no Congresso. Atrapalha mesmo?
ARLINDO CHINAGLIA

Depende do momento político. Neste momento, não atrapalha. Até porque não há brasileiro que não queira que se resolva a crise aérea. Se alguma investigação puder acrescentar dados para corrigir o que estiver errado, é evidente que a CPI pode jogar um bom papel. Mas há uma desconfiança de que essa CPI queira somente desgastar o governo.

ISTOÉ – O presidente Lula iniciou conversas com a oposição para encontrar pontos de convergência para o País. Mas há quem veja nisso uma tentativa de cooptação. Como o sr. vê essa iniciativa?
ARLINDO CHINAGLIA

 Quando alguém de expressão na oposição decide conversar com o governo, isso é em si importante para o País. Não significa que a partir de uma conversa as partes vão estar de acordo em temas relevantes. Não vejo nenhum mal no diálogo.

ISTOÉ – O sr. vai ser candidato a prefeito de São Paulo em 2008?
ARLINDO CHINAGLIA

Está longe. A candidata principal do PT é Marta Suplicy, e eu não disputaria com ela.

ISTOÉ – Mas se ela não for?
ARLINDO CHINAGLIA

 A melhor candidata é a Marta e ponto. Se ela não for, aí é uma outra situação. E ponto.