28/04/2001 - 10:00
Num procedimento comum na cirurgia de extração da medula óssea para transplante, um estudante de medicina introduz uma agulha nas costas do paciente. Toda cautela é pouca porque, se a força não for bem dosada, a agulha de metal pode ferir o doador. Em vez de pessoas de carne e osso, o aspirante a doutor injeta a seringa – na verdade um robô em forma de caneta – em corpos virtuais. Fora os ensaios com cadáveres e cobaias animais, essa é uma das raras ocasiões em que uma barbeiragem médica não tem consequências graves para o doente. No lugar da sala de cirurgia normal, o paciente entra na sala de realidade virtual com a aparência de uma caverna. O cenário é criado por imagens projetadas nas quatro paredes e no chão e também por sons em estéreo gerados por potentes supercomputadores com 12 gigabytes de memória e um trilhão de bytes de disco rígido.
Inaugurada na sexta-feira 27, a caverna de US$ 1 milhão foi projetada por cientistas do Laboratório de Sistemas Integráveis da Universidade de São Paulo (USP). A simulação de transplante de medula é apenas um dos possíveis usos da caverna. Quem estiver fora da sala verá o estudante de medicina manusear a agulha-robô no ar, sem tocar em nada. Para ver e tratar o paciente virtual, o futuro médico usa óculos especiais que fazem as imagens saltar da tela, como nos cinemas em terceira dimensão. Quando a ponta da seringa atinge a imagem do paciente, o robô responde como se encostasse em algo real, proporcionando sensações táteis como dureza e elasticidade.
Dentro da caverna, alunos, professores e parceiros da USP poderão fazer experiências que no mundo real seriam perigosas, caras ou impossíveis. Dotada de cinco projetores de US$ 40 mil cada, a caverna pode simular consertos em plataformas marítimas de petróleo, proporcionar passeios pelo interior de uma célula humana e até reconstituir cenas de crimes. Sensores eletrônicos grudados no corpo possibilitam que a pessoa interfira na imagem, andando por ambientes virtuais e empurrando objetos, por exemplo. “Vamos reconstituir o interior do corpo humano para ajudar nas aulas de anatomia”, diz o professor Marcelo Knörich Zuffo, coordenador do projeto. “O Brasil entra definitivamente na era das simulações virtuais, tanto na indústria como nas pesquisas científicas avançadas”, afirma Zuffo. Ele cita os exemplos do Boeing 777 e do Mercedes Classe A, que dispensaram a construção de maquetes reais. Foram projetados e testados apenas no computador antes de ganhar os ares e as estradas.